por Joel Pinheiro da Fonseca
Vacina há de vencer o vírus; se Brasil não vencer Bolsonaro, novos desastres virão
Apesar de Bolsonaro, temos finalmente duas vacinas aprovadas, e as primeiras doses da Coronavac já sendo aplicadas na população.
Isso prova duas coisas. A primeira é que mesmo com um sabotador desqualificado na Presidência da República, o Brasil ainda resiste: laboratórios, universidades, governos, agências, todos ainda funcionam. O receio de um Instituto Butantan ou de uma Anvisa politizados revelou-se infundado.
A segunda é que a permanência de Bolsonaro na Presidência virou um fardo intolerável para o país. Cada dia a mais em que permitimos que ele continue —apesar dos inúmeros crimes de responsabilidade— na cadeira presidencial, são mais mortes que deixamos de evitar.
Quando, no mesmo governo, misturam-se safadeza, má-fé e incompetência, é difícil saber qual é mais danosa. O ministro Pazuello, nosso “expert em logística” que deixou milhões de testes perderem a validade num galpão, não se lembrou de comprar seringa para vacinar a população. O governo até tentou confiscar as seringas de São Paulo, mas o malvado STF não deixou.
O governo teve ampla oportunidade de negociar diferentes vacinas. A Pfizer nos ofereceu 70 milhões de doses. Zero interesse. Moderna, Johnson e Johnson, Sinopharm; nada. Quanto à AstraZeneca, aguardamos ansiosos doses virem da Índia —nada indica que virão. Em algum momento, os insumos chegarão da China para que possamos começar a produzir. Até lá, se não fosse pelos esforços do governo de São Paulo, seguiríamos assistindo o resto do mundo vacinar sem perspectiva nenhuma para nós.
Esforços de São Paulo que Bolsonaro buscou sabotar desde o início. Jamais compraria a vacina “da China” ou “do Doria”. Comemorou quando um voluntário dos testes clínicos morreu. Agora que foi aprovada, quer se apropriar dela para não ficar tão feio.
Em vez de vacina com certificação, Bolsonaro preferiu nos empurrar goela abaixo a cloroquina, sem comprovação nenhuma. Gastamos centenas de milhões de reais para produzir, importar e distribuir cloroquina. O governo continua engajado na lorota do “tratamento precoce”. Não tem mais coragem de falar em cloroquina. Alguns já pularam do barco e garantem que a ivermectina, essa sim, é a bala de prata salvadora. Estão decididos: querem vencer a Covid sim, mas só aceitam soluções mágicas.
Além da pandemia no país inteiro, assistimos a uma verdadeira calamidade em Manaus. Bolsonaro, como sempre, se apressou naquilo que ele faz de melhor. Resolver o problema? Claro que não. Dizer que a culpa não é sua. Neste caso, no entanto, foi, sim (sem deixar de lado a responsabilidade do governo do estado). O Ministério da Saúde havia sido informado em 8 de janeiro da situação dos estoques de oxigênio em Manaus. O que fez? Enviou cloroquina.
Pazuello aprendeu com o mestre. Quando os resultados ruins aparecem, já culpa a imprensa. Faz seu showzinho, dá sua provocada. Mas na hora da logística… Sua única função na vacinação era receber as doses de Coronavac em São Paulo e enviá-las para os demais estados.
Nova confusão, atrasos, autoridades esperando em vão. Parece uma chanchada, e bem que poderia ser. Uma necrochanchada em que não sabemos se rimos de mais uma trapalhada de Pazuello ou se choramos de terror pelo agravamento da pior pandemia em um século chegando cada vez mais perto de casa.
Ao longo deste ano, a vacina há de vencer o vírus. Se o Brasil não vencer Bolsonaro, novos desastres virão.
*Publicado na Folha de S.Paulo