Da FSP
Rússia nega recusa da Sputnik V, e Anvisa diz que pode haver novo pedido
Agência reafirma devolução da requisição de uso emergencial do imunizante russo no país
O fundo soberano russo, que bancou a criação e promove a venda da vacina contra a Covid-19 Sputnik V, negou na manhã deste domingo (17) que o imunizante tenha sido recusado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A negativa do pedido havia sido divulgada pela Anvisa na noite de sábado, e não falava em pedido de novas informações. Procurada, a agência reafirmou a recusa, mas disse que nada impede que a Rússia protocole novamente a requisição, com mais documentos.
Segundo o fundo, a agência “requisitou informações adicionais, que serão enviadas rapidamente”. “Tais pedidos de reguladores são procedimentos padrão e não significam que um pedido de registro tenha sido rejeitado”, afirmou, em nota.
A vacina russa havia sido a terceira a pedir o registro para uso emergencial no país, depois dos imunizantes da Sinovac/Butantan (Coronavac) e AstraZeneca/Universidade de Oxford.
Essas duas vacinas tiveram estudos de fase 3, final, realizados no Brasil. O laboratório paulista União Química, que tem acordo para a fabricação da Sputnik no país, fez um pedido para tais ensaios no fim do ano passado à Anvisa, sem resposta até aqui.
“A agência esclarece que não basta o pedido de autorização de estudo clínico de fase 3 estar protocolado para pedir uso emergencial. É necessário que tais estudos estejam em andamento no país, além de outras medidas condicionantes já previstas”, disse a Anvisa no sábado.
O plano dos russos era fazer os ensaios de fase 3 brasileiros de forma concomitante à produção da vacina. Isso pode ocorrer, de toda forma, mesmo sem a aprovação para o uso —a Coronavac, por exemplo, teve quase 11 milhões de doses importadas e só teve sua autorização analisada nesta tarde.
A nota do fundo também cita movimentação no Senado para aprovar lei que permita o uso de vacinas já autorizadas em outros países, inclusive a Rússia.
O país de Vladimir Putin não constava no rol de autorizados a fornecer imunizantes ao Plano Nacional de Imunização do governo federal, segundo a medida provisória de 7 de janeiro.
Isso gerou insatisfação entre secretários de Saúde dos estados, para quem quanto mais vacina, melhor, ainda mais com os atrasos e discurso contraditório do governo federal.
Dois deles, Paraná e Bahia, haviam assinado acordos em separado para a aquisição de dose e, no caso do sulista, produção da Sputnik V —que acabou caducando em favor do acordo entre os russos e a União Química, que prevê inicialmente 10 milhões de doses no país.
O governo baiano inclusive foi ao Supremo Tribunal Federal no sábado para pedir a liberação da Sputnik V. O imunizante tem preço semelhante ao pago por São Paulo pelas 46 milhões de doses da Coronavac, cerca de US$ 10 por unidade, metade do que concorrentes ocidentais mais badalados.
Para o Fundo Direto de Investimento Russo, a divulgação de “informação imprecisa à noite ou no fim de semana a faz mais difícil de verificar”, e integra uma “campanha de desinformação contra a Sputnik V”.
Registrada para uso emergencial na Rússia em agosto, a vacina é vendida como a primeira com esse status no mundo —na realidade, a China havia feito o mesmo poucos dias antes.
Causou espanto, de toda forma, o anúncio de que a vacinação emergencial coincidiria com os estudos de fase 3 da vacina. Cientistas criticaram o procedimento, e mais de 40 mil profissionais de saúde russo foram vacinados.
Dados de ensaios da fase 1 e 2 foram publicados no The Lancet, periódico científico que é referência no tema. Os resultados preliminares da fase 3 ainda não, mas segundo o Instituto Gamaleya, criador da vacina, indicam uma eficácia de 91,4% do imunizante.
A vacinação está em curso na Rússia, com cerca de 1,5 milhão de pessoas imunizadas —inclusive um jornalista brasileiro, que contou a experiência à Folha.
Ele tem como grande vantagem competitiva usar como vetor para levar material genético que estimula a resposta imune um adenovírus atenuado comum de resfriado em humanos. São duas doses com intervalo de 21 dias, usando dois adenovírus diferentes.
O método, dizem os russos, amplifica a capacidade de resposta. Apesar das críticas iniciais no Ocidente, a AstraZeneca está fazendo testes conjuntos nos quais aplica uma primeira dose de seu imunizante e a segunda, de um dos elementos russo.
A Rússia vê na vacina um elemento de influência geopolítica. Ela já tem autorização para uso emergencial na Argentina, onde a imunização já começou, Sérvia, Belarus (também com vacinação em curso), Bolívia, Paraguai, Venezuela (com vacinação), Argélia e Palestina.