DIÁRIO DA PANDEMIA

(*) Abrimos a sessão com uma frase dele: “Quem vai pra rua sabendo que pode infectar pessoas é crime. Não se trata apenas de responsabilidade”. Corte rápido para o apê dos chegados em ofurô. Ouço: “Por que é sempre mais doce o beijo que não houve?” Para despistar, o outro responde: “Oh! Romeo, Romeo…” dando a entender que estão a representar Shakespeare.Çei muito bem onde isso vai parar. “Palavras escritas são apenas letrinhas enfileiradas; palavras ditas são facas”. A voz de quem disse isso, como veio, foi. Adiante, no apê daquele senhor que faz jogos comigo, ouço: “Todos os crimes devem ser perdoados; menos os crimes que eu cometo”. Çei, de novo. Trancado no guarda-roupas, para que não me ouçam, grito: “Aqui se faz, aqui se apaga”. Lembrava do Ginásio de Palmeira, a gente escrevia a alma no quadro negro antes de fazer tudo desaparecer. O cara do andar de cima disse que eu tinha dito uma verdade; que ele apertava o fininho e depois de fumar metade, apagava. Estava também me lembrando da Boate Cedrinho, em Palmeira, que reunia a nata da sociedade e alguns desnatados. Na porta, a tabuleta: “Aqui se faz, aqui se paga”. Estava mergulhado em lembrares quando ouço uma voz vinda de algum dos apês: “o cara só obedece se o desrespeito doer no bolso”. Fiz para meu próprio lazer uma cara de inhambu. Aí, pra contribuir com a galera, digo bem alto: “Quando o telefone toca penso sempre que é pro gato”. Ninguém reagiu. Caprichei na cara de inhambu.

Filme – O PASSADO NÃO PERDOA (com Burt Lancaster e Audrey Hepburn) conta a história de um cara que queria comer pastel, mas só tinha de ontem. “Vai esse mesmo” – disse Burt Lancaster. O ator passa o filme todo sentado no trono.