Chegara em casa como se nunca tivesse saído. Ensaiara suficientemente bem para errar bastante àquele momento. Vento havia. E isso o deixava nervosíssimo – num outro lugar- por ver as folhas das árvores em êxtase-não-angústia, prontas, sendo.
A rua, sim, sabia o que fazer: nem muito larga, ao ponto de correr o risco de transformar-se em habitat para “bom-dias” empáticos, nem muito estreita, podendo ser anfitriã também para quem se perde.
Antes de abrir a porta testou todas as chaves de si. Era preciso certificar-se de que nenhuma delas abriria a tarde e os girassóis do jardim. Tudo deveria permanecer à distância. O beijo exige lucidez, senão a gente morde e destrói a fonte do desejo. É proibido ser animal, imprudente. A rua, a casa e o jardim não lhe pertenciam, apesar de serem as margens do que vivera até ali.
Sentiu sem, suspenso.
Des-houve-se.
Não percebeu o cachorro que latia num Português limpo, contando segredos humanos.
As coisas alternavam-se com malícia entre fins e recomeços.
O rosto da dona da casa ficou horas sem aparecer, atrás da saudade feita de cimento, pelos anos (engenheiros dos edifícios multi-andares da singularidade).
Tanta coisa havia. Dentro dele. Mas chamou-lhe a atenção as revistas da estante. Perguntou-se se o fim de semana também seria organizado em ordem alfabética, sem espaços para improvisos, parques de domingo ilógicos ou histerias. Pois as gaivotas do lago são a doença mental da previsibilidade da Modernidade. Não produzem nada, nem têm bolsos.
Aos poucos foi se acostumando com a grossura das paredes do quarto do feriado: a gente nunca consegue escutar o que acontece dentro da pausa na rotina. Quartos onde cada um dorme o seu próprio inventar-se. Sempre que há descontinuidade, ocorre novidade.
Continuou, abriu o que era. Não quis importar-se com os pneus furados da sua Bicicleta-Anos 70- íntima. Cor-de-rosa era, mesmo desbotada podia-se ver. Sendo homem, apropriou-se imediatamente daquela “coisa de menina”, pois sabia que toda cor navega sobre a estética e não pode esperar.