10:50Na Beira do Cais

por Fernando Muniz

“Presidente, a situação tá ‘ingovernável’”. Macaco repete o que o advogado acabara de dizer sobre a invasão do prédio da Companhia Docas.

O Presidente coça a cabeça e franze o cenho. “Mas quem mandou eles fazerem isso?” Macaco, secretário-geral do sindicato, sente-se culpado pela evolução dos acontecimentos. “Não sei, Presidente, estava com os advogados revisando a proposta de convenção coletiva quando deu esse estouro da boiada”.

“Assim a Justiça vai dizer que a nossa greve é ilegal. Onde está o Doutor Antunes?”

“Acho que na sala dele, lá na Superintendência. Não conseguiu sair do prédio”.

“Bom, então põe o Pouca Telha, o Vesgo e o Tião junto do homem. Só falta baterem nele. Aí que a polícia cai de pau na gente”.

“Mas Presidente… o Doutor Antunes disse na TV que a Docas só volta a negociar se o nosso pessoal deixar o prédio e voltar pro trabalho”.

“Ah, é? Deu entrevista?” O Presidente aperta os olhos, enquanto olha o cais do porto pela janela da sua sala, sem movimento algum. “Ele já devia saber que a gente resolve as coisas dentro de casa. Vem cá, o Bacuri continua preso?”

Macaco pensa alguns segundos. “Não, tá solto”.

“E o irmão dele?”

“Foi solto junto”.

“Então diga pra eles e mais o Boca Mole irem lá dar uma coça nesse filho-da-puta. Depois a gente se acerta”.

“E o Vesgo, o Tião e o Pouca Telha”?

O Presidente olha fixo para o companheiro. “O Doutor Antunes que reze pro pessoal da estiva proteger o rabo dele”.

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