de Fernando Muniz
É pouco mais que um filete d´água, nada que meta medo. Ela não se aguenta, naquele dia calorento e convida os amigos para entrar. Mas ninguém quis. Pula de pé, com medo de se machucar. Que sensação boa, de água fresca! “Venham seus bobos, não sabem o que estão perdendo”!
Percebe que o rio é fundo, a ponto de a luz ser engolida pelo breu e não dar para ver o seu leito. Sente um arrepio e resolve voltar para a margem. Só que começa a ser levada por uma correnteza cada vez mais forte, que a puxa para o fundo, para a escuridão. Fica desesperada, grita com todas a forças, bate braços e pernas, faz barulho para chamar os amigos, entretidos com suas vidas. E ela afunda.
Um tempo que não sabe contar se passa até conseguir voltar à superfície, bem longe de onde entrara. Aos poucos recupera o fôlego e toma consciência de estar em uma curva qualquer do rio. Já é noite e não enxerga os amigos; onde foram parar? Deveria estar preocupada, mas de tão exausta não se ocupa disso. Nada até a margem e deita-se nas pedras. Percebe que está quase sem roupa; deveria sentir frio, mas não sente. Ou ter vergonha da situação, mas não fica.
As pedras, alisadas pelo tempo, guardaram o calor do sol. A sensação é boa, de aconchego após tantas turbulências e falta de atenção dos amigos. Cobre-se com os seixos e dorme.
Durante o sono, imagina a água do rio envolvendo o seu corpo e, ao invés de se debater, ela deixa ser levada. Desta vez a água não lhe dá puxões para o fundo; muito pelo contrário. Ela começa a boiar, embalada pela correnteza, para longe dali.
Para longe de tudo.
E de quem não a quer.