DIÁRIO DA PANDEMIA
(*) Jolim sempre escapa por aquele portão aberto na infância. Tem dias que sei que o fiel companheiro está à porta, esperando que eu abra para ele poder entrar. A solidão traz personagens que foram importantes nos ontens da vida, e só percebemos esse valor quando estamos confinados. Quantas vezes, em tempos felizes, já me senti solitário e triste e nem por isso lembrei de lembrar daquele companheiro. Só agora, de repente, começou de doer.
(*) Sentado na cama, respirando com dificuldade. Madrugada, a hora melhor. Um gato mia nos escondidos do escuro. Consulto o relógio: perto de 3 horas. Não ouço o vizinho roncando; ele, ou ela, deve estar deitado/a de lado. Acho que sinto falta desse ronco que me diz que há alguém mais no mundo. O silêncio da casa é perturbado por um tac vindo não sei de onde. Não creio em fantasma. Minha mãe não virá me buscar, terei que viajar sozinho. O tempo não passa, e no entanto a vida passa tão depressa! Que valor dou agora ao ar que entrava e saía. Sentado na cama, moído de sono, aguardo.
(*) – No fundo da madrugada, eu sonhando que tenho dezoito anos. Sou acordado com o vozeirão da vizinha:
– Cadê meu clipe?
E a resposta do marido:
– Sei lá de clipe.
– Tinha cinquenta e um aqui na caixa. Contei agora, só tem cinquenta.
– Eu não peguei.
– Onde você deixou?
– (silêncio)
– Está faltando um clipe.
– Conte de novo.
– Um, dois, três…cinquenta e um.
– Viu? Não roubei.
– Não disse que tinha roubado.
– Sugeriu.
– Vou contar de novo. Um, dois, três…cinquenta! Eu sabia. Cadê meu clipe?
GRANDES CONSELHOS POLÍTICOS: Nunca confie num escorpião. Não é que seja má pessoa, mas ele foi treinado para matar, não para levar você à outra margem do rio.