por Ruy Castro
Se a Covid acabou com os beijos, o cinema tem exemplos de como sobreviver sem eles
Ouço dizer que, por causa da Covid, os beijos foram banidos do cinema. Por mais longa a quarentena antes das filmagens, não se pode arriscar a saúde dos atores —a não ser que eles se beijem de máscara. Mas talvez nem tudo esteja perdido. Muitos filmes do passado souberam transmitir intenso romantismo ou sensualidade sem recorrer ao beijo. Duvida? Eis alguns.
Em “A Estranha Passageira” (1942), de Irving Rapper, Bette Davis pede um cigarro a Paul Henreid. Ele tira dois cigarros, coloca-os na boca, acende ambos e passa um deles a Bette, que dá uma tragada e devolve a fumaça pelo nariz. Um beijo seria mais explícito? Em “Férias de Amor” (1955), de Joshua Logan, William Holden e Kim Novak fazem uma das maiores danças da história sem se tocarem. Poucas vezes o cinema foi tão erótico. Por falar em dança, nunca houve um beijo entre Fred Astaire e Ginger Rogers em seus filmes –a coreografia dizia tudo.
Em “A Dama e o Vagabundo” (1956), desenho de Walt Disney, os dois cães comem no mesmo prato na cantina italiana e, sem querer, seus focinhos se unem por um fio de macarrão. Em “Lolita” (1961), de Stanley Kubrick, a longa sequência em que James Mason pinta de esmalte os dedos dos pés da ninfeta Sue Lyon, um a um, meticulosamente, diz mais do que qualquer cena de sexo.
E eu poderia citar três das histórias mais românticas de todos os tempos, em que o herói não chega nem perto de beijar a heroína. “O Corcunda de Notre Dame”, filmado em 1923, com Lon Chaney, em 1939, com Charles Laughton, e em 1956, com Anthony Quinn, todos no papel do Corcunda apaixonado por Esmeralda —sem beijo. “O Fantasma da Ópera”, também tantas vezes filmado e em que, com ou sem máscara, aquele monstro sem nariz era imbeijável.
E, claro, King Kong, em que, em suas também inúmeras versões, o galã tragicamente apaixonado nunca pôde sequer aproximar seus grandes lábios dos lábios da mocinha.
*Publicado na Folha de S.Paulo