DIÁRIO DA PANDEMIA
(*) Não se podia jogar pingue-pongue se a Jurinda estivesse solta. Era a bola cair no chão e lá vinha aquela chata sentar em cima, querendo chocar. Tanto ela ansiava em ganhar um pinto!
– Sai daí, galinha burra. Ponha seus próprios ovos.
E ela me olhava com aquela cara triste de franga malamada, com vergonha de contar pra gente que o galo, tão empertigado e guerreiro, que o caso dele era só cantar. E ele cantava as mais doídas melodias, tangos e boleros que falavam de traição, os chorinhos cheios de saudade e dor de corno, uma vez até ensaiou um fado imitando a voz de Amália Rodrigues. Verdade, não era galo de briga. Nem galo de paz e amor. Abdicado do amor, só queria viver em paz.
E vinha aquela galinha que sentava nas nossas bolinhas de pingue-pongue, ela fazia assim para entusiasmar o safado. Nem sei por que estou contando isso. O galo se juntava com a frangaiada e ficavam bebendo até altas horas, cantando com voz empastada aquelas cornices juvenis. Amanheciam desacordados no meio do cercado, um marreco lambendo a boca deles. Mas todos ressuscitavam por milagre quando minha mãe vinha dar milho e falava para todos ouvirem: “Se pego um, vai pra panela”.
Aquela pobre ave sonhava namorar um galo que fosse terrivelmente frango, que haveria de chocar ovos terrivelmente ovais que gerariam pintos terrivelmente imbecis. Agora é que entra a história da pardoca.
II
A pardaloca botou três ovos no ninho que ela mesma fez no chão, mas nunca chegaria a usar aquele leito e nem a chocar aqueles ovos. A galinha pedrês viu o tesouro e sentou em cima. A pardoca passava o dia esperando sentada num galho de árvore, só de butuca, vendo a hora da outra desocupar a moita. Às noites dormia num galho próximo ao ninho, esperando o amanhecer. Amanhecia e a galinha pedrês saía para cuidar das suas coisas e era aí que a pardal se sentia quase mãe.
Daqueles ovos eclodiram três coisinhas peladas, com o bico sempre aberto pedindo comida. A galinha saía em busca de minhocas e quando retornava os filhos estavam dormindo porque a pardal já os tinha alimentado com nutritivos insetos.
A galinha pedrês não entendia o que seus filhos falavam, mas a pardal que nunca havia se afastado conversava com eles. Um dia, a galinha pedrês encheu-se o saco e falou bem assim: “Ah! Quer saber de uma coisa?” Foi aí que ela viu um milagre acontecer. Viu que seus filhos eram anjos porque sabiam voar, e eles e a pardaloca seguiram para longe.
Quando os filhotes não quiseram mais saber da mãe e ganharam o mundo, a pardaloca voltava todas as tardes aquele galinheiro para obsequiar a galinha pedrês com grãos de milho roubados à lavoura, bem como suculentos e coloridos coleópteros catados em pleno voo. A galinha nunca entendeu porque estava sendo presenteada, mas a outra sabia por que estava presenteando.
GRANDES PENSAMENTOS DE DEUS: “EU disse amai-vos uns aos outros, não sobre os outros. E quando EU disse procriar estava me referindo à pecuária”.
Padrella sempre viveu ativamente o panorama cultural brasileiro, escrevendo livros e participando de certames literarios, enquanto colecionava premios com sua pintura e seu desenho, apresentados inclusive na Bienal Nacional de Sao Paulo .