6:53Na ONU, Bolsonaro fez discurso de vereador em caçamba de caminhão

por Elio Gaspari

Retórica defensiva do presidente indica mudança de ares no Planalto

Jair Bolsonaro abriu os debates da Assembelia Geral da ONU com um discurso de vereador em caçamba de caminhão. Defensivo, com momentos de delírio, viu-se “vítima de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal”

Faz tempo, quando um oficial brasileiro perguntou ao general americano Vernon Walters quais eram os interesses do Estados Unidos na Amazônia, ele respondeu: “A Amazônia, é de vocês, cuidem dela”. Walters conhecia o Brasil como poucos, chegou a percorrer de carro a rodovia Belém-Brasília.

As imagens de satélites e as fotografias da floresta mostram que não se está cuidando direito da Amazônia. Bolsonaro, contudo, estava na sua realidade paralela. Falou mal dos outros, bem de si, de seu governo e reclamou do preço da cloroquina.

A retórica dos agrotrogloditas encurralou Bolsonaro e hoje o setor moderno do agronegócio faz o possível para se afastar dele. Afinal, já houve épocas em que o governo brasileiro viu-se em posições canhestras no cenário internacional, mas d. Pedro 2º nunca saiu pela Europa defendendo a escravidão. Astuto, enquanto pode, fechou o acesso dos estrangeiros à navegação na Amazônia. Fez muito bem, pois alguns burocratas americanos pensaram na possibilidade de mandar para lá seus negros. Esse foi um tempo em que o andar de cima nacional mamava no atraso mas fingia que era inglês. Pela primeira vez, desde a chegada das caravelas portuguesas, o governo brasileiro está orgulhosamente apenso à agenda do atraso.

A fala de Bolsonaro foi antecedida por um pronunciamento do ministro-general Augusto Heleno que denunciou “nações, entidades e personalidades estrangeiras” com um “interesse oculto mas evidente” de “derrubar o governo Bolsonaro”.

A retórica defensiva de Bolsonaro para a ONU e a denúncia de Heleno indicam que houve uma mudança de ares no Planalto. Em maio o capitão via-se desafiado pelo Judiciário e dizia que “vou intervir”. Como e onde, nunca se soube, mas, na mesma linha, o general havia condenado uma iniciativa que “poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. No “vou intervir” estava implícita a ideia de que Bolsonaro dispunha de uma retaguarda, mas ela lhe faltou e as “consequências imprevisíveis” ficaram momentaneamente no campo da fantasia. Naqueles dias os mortos pela Covid eram 18 mil. Hoje são mais de 130 mil.

Ao contrário do que pensam o general Heleno e almas inquietas do Planalto, não há ninguém querendo “derrubar o governo Bolsonaro”. O presidente tem contas a ajustar com o Judiciário por coisas que aconteceram antes de sua investidura e, ainda assim, seria exagero acreditar que desemboquem num impedimento. O verdadeiro jogo está na busca obsessiva pela reeleição e nisso pouco influirão “nações, entidades e personalidades estrangeiras”. Tudo dependerá do desempenho do governo. Bolsonaro viu esse risco nos primeiros momentos da pandemia. Em março ele dizia: “Se a economia afundar, afunda o Brasil. E qual o interesse dessas lideranças políticas? Se acabar economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo. É uma luta de poder”.

Luta-se pelo poder. Em maio, no ataque. Em setembro, na defesa.

*Publicado na Folha de S.Paulo

Uma ideia sobre “Na ONU, Bolsonaro fez discurso de vereador em caçamba de caminhão

  1. SERGIO SILVESTRE

    Esse micro general Heleno disse que tem lugares que se fala outra língua e brasileiro não entra nesses estados dentro do Brasil.Ora,o que ele fez no exercito enquanto atuou e não coibiu isso?Cade os generais patriotas que deixam acontecer esse estado de coisas.Eu acho que eles estão vendendo barato a amazônia.

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