por Paulo Roberto Ferreira Motta (*)
Diante da advertência do Viaro, alguém, acho o Wilson Bueno, calmamente, informou que Nicolau tinha origem no grego. Nike significa vitória e láos povo. (Tentando responder as críticas que surgiram antes mesmo de vir ao mundo, o Nicolau publicou a explicação no número 1, página 3.)
O Ivens Fontoura, numa conversa a latere comigo, lembrou que em espanhol Nicolau era Nicolás; em francês, Nicolas; em inglês, Nicholas; em alemão, Nikolaus ou Niklas; e nas línguas eslavas, Nikolái. Foi então que lembrei que o prenome do Maquiavel era Niccolò. Ou seja, todas as etnias estavam contempladas pelo nome Nicolau. O Viaro, reafirmou que gostava do nome, mas que podíamos nos preparar para chuvas e trovoadas. O René Dotti matou no peito e bancou o nome. O Nicolau, antes mesmo de nascer, já estava batizado. As críticas ao nome escolhido, quando o jornal foi anunciado, foram fortíssimas, autêntica avant première das incompreensões, invejas e autofagia que o Nicolau iria gerar e num determinado momento não resistir.
No dia 15 de março daquele ano, Álvaro Dias assumiu o governo do Estado. No dia seguinte, o René Dotti foi empossado na Secretaria de Estado da Cultura, e no dia 17 a equipe do Wilson Bueno estava a postos. Como ele havia prometido, era realmente enxuta: Jaques Brand, Luiz Antônio Guinski, Josely Vianna Baptista, Amilton Paulo de Oliveira, Rodrigo Garcia Lopes, Yara Rossini e Rita de Cássia Solieri Brandt, Iara Lessa. Quando a coisa apertava, pediam a ajuda da Adélia e do Zeca Corrêa Leite, que labutavam na Assessoria de Imprensa da Secretaria da Cultura.
Iniciando os seus planos de encartar o Nicolau em todos os jornais do Paraná, Bueno conseguiu uma lista com o nome, local e telefone das publicações. Explicava o projeto e pedia a tiragem do jornal para o levantamento de quantos exemplares o Nicolau teria que editar. Alguns jornais, da capital e notadamente do interior, inflavam o número da tiragem, certamente pensando em faturar algum com o encarte. O Wilson constatou a picaretagem e comentou com o René Dotti. Bueno não fez, nesse primeiro momento, contato com a Gazeta e com O Estado. Dada a importância dos dois jornais, achava que as negociações tinham que ser institucionais, conduzidas pelo Secretário.
René Dotti lançou mais um Maktub e foi à luta. Marcou reunião com Francisco Cunha Pereira e com o ex-governador Paulo Pimentel. Conquistando a Gazeta e O Estado/Tribuna, achava que os outros viriam atrás. Deu certo. O Dr. Francisco e o Paulo Pimentel compraram a ideia e se comprometeram a encartar o Nicolau sem custos, e forneceram a tiragem real dos jornais de que eram proprietários. Os outros, então, refizeram os números e vieram atrás. Ninguém queria ficar de fora. Depois de muitos cálculos, Wilson chegou à tiragem real de todos os jornais do Paraná de então: 175.000 exemplares.
Os números não eram nada pequenos. O Estadão e O Globo tiravam uns 200 mil. Em São Paulo, a Folha vendia menos que o Estadão e no Rio o Jornal do Brasil também tirava menos que O Globo. Veja, semanal e com circulação em todo o território nacional, batia na casa dos 500, 600 mil. Proporcionalmente à população de São Paulo e do Rio, o Paraná apresentava bons números na tiragem dos seus jornais. Wilson propôs uma tiragem para o Nicolau de 180 mil exemplares. Os 5.000 a mais seriam para distribuição em todo o Brasil, e no exterior, para as pessoas e instituições que interessavam ao Nicolau. As despesas com o Correio seriam altas, mas seria um investimento que se mostraria, depois do lançamento do número 1, espetacular. Esse número de 5.000, conforme o Manfredini, chegaria, depois, a 20.000.
Aí foi a vez da equipe financeira da Secretaria entrar em ação. Como se sabe, os orçamentos públicos são elaborados no ano anterior, eis que precisam ser aprovados pelo Legislativo. Quando o orçamento da Secretaria da Cultura foi montado, em 1986, ninguém imaginava o Nicolau. Em síntese, não havia qualquer rubrica orçamentária para o jornal. Teriam que catar um dinheirinho de outras rubricas, todas elas esquálidas. Os custos do jornal (equipe, diagramação, edição etc…) eram pequenos. O que assustava era o custo do papel (180.000 exemplares de 32 páginas cada número, mensal) e da impressão, além da postagem.
O Dotti mais uma vez foi falou Maktub e foi à luta com o Wilson Bueno debaixo do braço. Na Imprensa Oficial encontram a Santa Gilda Poli, professora de nomeada e Secretária da Educação do governo José Richa, que, segundo o Manfredini, já tinha feito contatos prévios com o Dotti para o lançamento de um jornal cultural. No governo Álvaro Dias, assumiu e Departamento. Santa Gilda Poli se encantou com o projeto do Nicolau e garantiu papel e impressão a preço de custo pela Imprensa Oficial. Os custos do jornal caíram para patamares bem menores, mas ainda não havia o dinheiro para pagar o papel e a impressão. Foi então que o professor Dotti, mais uma vez, resolveu ir a campo. Encontrou na presidência do Banestado o São Carlos Antônio Almeida Ferreira e garantiu os recursos que faltavam. Nicolau tinha adquirido todas as condições para nascer.
No dia 24 de julho de 1987, ele veio ao mundo. O sucesso foi retumbante. Foi distribuído para centenas de milhares de pessoas no Paraná e para milhares de pessoas em todo o Brasil e no exterior. O reparte da mala direta, os 5.000 exemplares, que depois viraram 20.000, Bueno tinha postado dias antes, para que, quando o Nicolau fosse distribuído pelos jornais, as pessoas que interessavam já soubessem da existência dele. Jogada genial.
Nos dias seguintes, chegavam milhares de cartas e telegramas na Ébano Pereira, 240. O Nicolau tinha sido um sucesso total. Explodiu em todo o Brasil, rebentou a boca do balão, literalmente. Ganhou reportagem em todos os principais jornais, rádios e televisões do Brasil. As duas telefonistas da Secretaria da Cultura foram à exaustão, novos ramais telefônicos tiveram que ser instalados, as pressas, na redação do Nicolau. Era Estadão, Folha de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, Zero Hora, o Estado de Minas, Veja, Isto É, Manchete, Rede Globo, Bandeirantes, SBT, TV Manchete. Até a Playboy ligou querendo saber da novidade. Todos queriam ouvir o René Dotti e o Wilson Bueno.
Nas semanas seguintes, exatamente como o Wilson Bueno havia previsto, começaram a chegar colaborações de todo o Brasil e do exterior. Os nomes que assinavam os artigos, as ilustrações e as fotos podiam figurar, todos, numa Enciclopédia da Cultura Brasileira. O time que participou do Nicolau, nos tempos do Wilson Bueno, não teria dinheiro que pagasse. Nem a Rede Globo aguarentaria o valor da folha de pagamento. E todos trabalhavam de graça.
O Nicolau deixou descendência logo depois de nascer. A Imprensa Oficial de Minas Gerais lançou o seu rebento alguns meses depois. A Imprensa Oficial da Paraíba veio atrás. Depois, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul. Eram belíssimas publicações, mas a mídia do eixo Rio-São Paulo só teria olhos para o Nicolau.
Nos dias em que o Nicolau saía encartado, Wilson Bueno ia a campo para pesquisar a aceitação. Provavelmente sem ter dormido, depois de perambular pelos bares, madrugava num terminal de ônibus escolhido ao acaso. Postava-se ao lado da banca de jornal, como quem não quer nada, e ficava de mutuca. Quando um comprador abria o jornal ainda na banca, tirava o Nicolau e guardava com carinho, o Wilson ia a loucura. Certa feita, um jovenzinho, muito pobre, mal vestido, chegou na banca e comprou a Tribuna, que era o jornal de menor preço de Curitiba. Retirou o Nicolau e devolveu a Tribuna ao dono da banca. O Bueno perguntou porque ele havia feito aquilo. O jovenzinho disse que só queria ler o Nicolau, não perdia um número. Wilson, com lágrimas nos olhos, abraçou o rapaz e tascou um beijo nele. Como o rapazinho não estava entendendo nada, Bueno explicou quem era. Convidou o rapaz para conhecer o Nicolau e dias depois ele estava lá.
(*) Paulo Roberto Ferreira Motta é advogado, procurador do Estado e foi chefe de gabinete do então Secretário da Cultura René Dotti.