por Bruno Bhogossian
Na ONU, presidente posou como injustiçado, escondeu barbárie e atribuiu desastres ao acaso
Jair Bolsonaro nunca escondeu suas convicções sobre temas como direitos humanos, meio ambiente e saúde pública. O deputado polemista construiu fama com declarações selvagens e tentou transformar a barbárie em política de governo. Agora, ele quer esconder o fracasso dessas escolhas.
Faltou coragem ao presidente para defender suas posições primitivas na Assembleia Geral da ONU, nesta terça (22). No discurso, Bolsonaro posou como injustiçado e pintou as catástrofes que produziu como frutos de mero acaso.
O presidente manteve a linha negacionista diante da pandemia do coronavírus, mas não quis contar a seus pares que fez campanha contra a saúde dos cidadãos. Ele abriu o pronunciamento dizendo “lamentar cada morte ocorrida”. Se fosse mais transparente, poderia ter contado quantas vezes deu de ombros para as vítimas. “Não sou coveiro, tá?”, disse em abril.
Bolsonaro voltou a culpar a imprensa por disseminar “pânico entre a população”. Faltou ali a audácia de um líder que previu 800 mortes na pandemia e abriu mão da responsabilidade por uma crise que já matou mais de 130 mil pessoas.
Alvos conhecidos do desdém governamental, os povos indígenas inicialmente surgiram no discurso como propaganda. Num tom de autoelogio, o presidente disse ter ajudado 200 mil famílias na pandemia. Preferiu não revelar que vetou o projeto que o obrigava a fornecer água potável, produtos de higiene e leitos hospitalares a essa população.
Os indígenas também foram acusados por incêndios florestais, como consequência da queima do roçado. Bolsonaro omitiu o fato de que a Polícia Federal atribui parte das queimadas à ação criminosa de fazendeiros. Ele também não reproduziu a desfaçatez com que o governo nega o próprio fogo e desmonta órgãos de controle.
O governo fingiu falar grosso com o crime ambiental e afirmou manter uma “política de tolerância zero” nessa área. Na vida real, Bolsonaro é bem mais manso com os infratores. No ano passado, ele prometeu descumprir a norma que determina a destruição de máquinas usadas no desmatamento.
O presidente também parecia outra pessoa ao enaltecer por três vezes a ação do Brasil na defesa dos direitos humanos. Seria mais honesto aparecer como o político que defende a execução sumária de suspeitos e que, em 2006 e 2016, escreveu que os direitos humanos eram “o esterco da vagabundagem”.
*Publicado na Folha de S.Paulo