8:04Samba na maca

por Ruy Castro

O melhor fã-clube do mundo -numa sala de cirurgia

Foi na semana passada, numa clínica da Zona Sul. A grande cantora se submeteria a uma cirurgia que vinha adiando e de que agora não queria passar. A anestesista aplicou-lhe a peridural e um calmante, e, ainda alerta, ela foi levada para a sala. A cirurgiã, que a conhecia, apresentou-a à assistente: “Sabe quem é? Doris Monteiro!”. E a outra: “Isso é problema dela”. Insolência? Não. Doris riu —porque a assistente logo emendou cantando: “Preparei uma roda de samba só pra ela/ Mas se ela não sambar/ Isso é problema dela…”.

Tratava-se de “É Isso Aí”, o samba de Sidney Miller que Doris consagrou em 1971. A instrumentadora pegou a deixa e atacou: “Mudando de conversa/ Onde foi que ficou/ Aquela velha amizade/ Aquele papo furado/ Todo fim de noite/ Num bar do Leblon…” —”Mudando de Conversa”, de Mauricio Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho, outro sucesso de Doris, em 1968. E uma das enfermeiras mandou: “Eu sou feliz/ Tendo você sempre ao meu lado/ E sonho sempre/ Com você mesmo acordado…” —”Dó-ré-mi”, claro, o supersamba-canção de Fernando Cesar, arraso de Doris em 1955.

A sala de cirurgia parecia uma roda de samba. Outra enfermeira arriscou: “Mocinho bonito/ Perfeito improviso de falso grã-fino/ No corpo é atleta, no crânio é menino/ Que, além do á-bê-cê, nada mais aprendeu…” —”Mocinho Bonito”, que Billy Blanco fez para Doris em 1957.

E uma terceira enfermeira rendeu-lhe a homenagem suprema: pediu a Doris que cantasse, ali mesmo, na maca. E Doris começou: “Cara de palhaço/ Pinta de palhaço/ Roupa de palhaço/ Foi este o meu amargo fim…”. Mas não chegou ao fim de “Palhaçada”, de Haroldo Barbosa e Luiz Reis, estouro de 1961. O calmante começou a fazer efeito e, dali a pouco, ela estava dormindo.

No dia seguinte, feliz e em casa, Doris continuava emocionada. Nem nos seus tempos de Rainha do Rádio tivera um fã-clube como esse.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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