por Thea Tavares
Estava aqui, com meus botões, decidindo por onde começar a escrever… Dizer o quê, que faça sentido para outras pessoas, quando nossa visão nunca foi mais parcial, restrita e egocêntrica? A despeito das inúmeras ferramentas de interação ao nosso alcance ou das tantas possibilidades para alargar os horizontes, esse meio ano de isolamento domiciliar e de distanciamentos sociais favorece olhar o mundo por uma fresta limitada e cem por cento umbilical. Até nas escolhas condicionadas que empreendemos, sobre o que ver, fazer, ouvir, postar, consumir, esse individualismo transparece.
O medo inicial de morrermos nas mesmas condições que mais de 130 mil pessoas no país ou perto de um milhão no mundo todo, que contraíram o novo coronavírus e não resistiram ao seu poder destrutivo, foi gradativamente cedendo espaço para o desespero diante da preocupação de não viver ou de não saber viver esse momento. Um conflito de natureza humana, no mais amplo sentido do termo, que assombra ou compromete as nossas decisões, bem como compartilha os impactos delas. Não sei se mais alguém pensa igual e é por isso que as desculpas foram estratégica e comodamente antecipadas nas primeiras parcas e mal traçadas linhas deste texto.
Uma das coisas que me incomodam são as eleições municipais no contexto da pandemia. Nem tanto pelo processo em si, mas pelas dificuldades de interação para formular análises e visões mais realistas a respeito dele, no tamanho e alcance apenas das pernas das próprias impressões e avaliações. Sabendo que mesmo por meio da interação virtual, com pessoas de diferentes visões e acúmulos de conhecimento, estamos diante de um debate raso, como nunca antes na história, ou de um embate de ideias afetadas individualmente pelo ineditismo da situação, que relativiza a compreensão coletiva do momento. Se com campanha nas ruas, abordando e conversando com as pessoas, é difícil convencê-las a discutir e pensar suas cidades, desapegadas de vícios assistencialistas e do tradicional toma-lá-dá-cá, pensemos no que descambará nossa representação política a partir das circunstâncias e limitações impostas pela Covid-19!? Não sou nem um pouco afeita aos pessimismos, mas aquele copo meio cheio já transbordou.
Receio estarmos diante de um desafio novo, só que encarado pelo olhar velho e cansado da política mais tradicional, oligárquica e excludente, e que tende a favorecer interesses tão particulares e alienantes quanto as projeções feitas nas circunstâncias do isolamento social. Quero estar redonda e saltitantemente enganada, mas enxergo pouco espaço para novidades e oxigenações saudáveis, que arejem esse ambiente e apontem caminhos no vigor da esperança e do compromisso comunitário que a realidade exige. Favorece a quem o processo que se inicia esta semana? Que “Maria” levará vantagem nesse contexto histórico da campanha e do debate político por “lives” de baixo engajamento, por um lado, e de negacionismos arriscados e nocivos, por outro? Favorecerá candidatos mais conhecidos ou já assentados sobre suas funções? Como se dará esse processo e quantas pessoas se submeterão ao cumprimento do seu dever e à garantia do seu direito nesse sagrado exercício democrático e cidadão de votar? Sem dúvida que o maior beneficiado será o mesmo de sempre: aquele que tiver o bolso mais cheio!
Mas o calendário está aí, vamos apenas reagir a ele. O tempo dessa discussão também já passou, sem sequer termos a noção precisa sobre qual prejuízo seria maior e mais oneroso nessa balança decisória. Será mais um dos tantos aprendizados, na dor e no amor, que logo somaremos aos esclarecimentos a respeito do momento atual. Até lá, nos encantemos com as belas imagens do entardecer, este que nos brinda com um pôr-de-Sol sensacional, somente visto e admirado pelas mesmas condições de isolamento e de introspeção vividas agora. Uma beleza tamanha que ofusca o fato de vir temperada também com fuligens das queimadas dos nossos biomas mais caros e com as ardências dessa estiagem prolongada, que bombeia pouca água para as torneiras no conforto e aconchego do lar.