19:14O homem dos belos olhos

de Charles Bukowski (tradução de Vinícius E.C Dias)

.Quando éramos crianças
havia uma casa estranha,
as cortinas estavam
sempre fechadas,
nós nunca ouvíamos uma voz
dentro dela.

O jardim se arrepiava todo
em bambus altos,
nós gostávamos de brincar
no bambuzal.
Fingíamos ser Tarzan
(embora não tivéssemos
Jane).

E havia um
tanque de peixes,
um dos grandes,
cheio dos
mais gordos peixes dourados
que você já viu.
Eles eram
mansinhos,
vinham para a
superfície da água
e comiam farelo de
pão
em nossas mãos.

Nossos pais disseram:
“Nunca cheguem perto daquela
casa”.
Portanto, é óbvio,
nós fomos para a casa.
A gente se perguntava
se alguém vivia ali.
Semanas se passaram e
nunca vimos
ninguém.

Então um dia
ouvimos
uma voz.
Vinha da casa:
“SUA PUTA
DESGRAÇADA!”

Era a voz de um
homem.

Em seguida
a porta de tela
da casa
foi aberta
num só puxão,
e o homem
caminhou
para fora.

Ele carregava uma
garrafa de uísque
em sua mão direita.
Tinha uns 30 anos.
Um cigarro na boca.
Precisava se barbear.
Seu cabelo era
selvagem e
despenteado.
Pés Descalços.
Camiseta simples
e calças.

Mas seus olhos
eram
brilhantes.
Eles ardiam
de tanto brilho.
E ele disse:
“Hey, pequenos
cavalheiros,
tendo bons
momentos, eu
espero.”

Então ele deu um
curto riso e andou
de volta para dentro
daquela casa.

Nós saímos, voltamos
para o jardim dos meus pais,
e pensamos
sobre o ocorrido.

Nossos pais,
decidimos,
queriam nos
manter afastados
daquela casa
porque eles
não queriam que nós
víssemos um homem
como aquele.
Um forte e natural
homem
com
belos
olhos.

Nossos pais
tinham vergonha
por
não ser
como aquele
homem,
eis por que eles
queriam
nos manter
afastados.

Mas, nós voltamos
para aquela casa
para o bambuzal
para os mansinhos
peixes-dourados.
Nós voltamos
muitas vezes
durante muitas semanas,
mas nós
não vimos
ou ouvimos
o homem
outra vez.

As cortinas estavam
fechadas
como sempre,
e somente se ouvia
o silêncio.

Então um dia
quando voltamos da
escola,
nós vimos
a casa.

Ela havia sido toda
queimada,
nada tinha restado
intacto.
Eram apenas cinzas e a fumegante,
retorcida e negra
fundação.
E nós fomos para
o tanque de peixes.
Dentro dele
não restava água,
e os gordos
peixes alaranjados
estavam mortos
ali,
secando.

Nós voltamos para
o jardim dos meus pais
e conversamos sobre
o ocorrido.
E decidimos que
nossos pais
queimaram aquela casa,
mataram
quem nela morava,
mataram
os peixes dourados,
porque era
tudo muito
belo,
mesmo o bambuzal
havia sido
queimado.

Eles temiam
o homem
com os belos
olhos.

E
nós tememos
desde então
que
ao longo de nossas vidas
coisas como aquela
acontecessem,
e ninguém
quisesse que
alguém
fosse
forte
e belo
daquele jeito.
Tememos que
os outros nunca
permitissem.
E que
muitas pessoas
teriam de
morrer.

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