DIÁRIO DA PANDEMIA
*Deixaram um filhote de gambá na minha porta. Novamente, dentro de um moisés. O que me leva a crer que é a mesma pessoa que esparge gatos. Talvez ela tenha uma fabriqueta de moiséses, que nesses tempos de pandemia cada qual se vira como pode. Uns fabricam bolachinhas, outros moiséses.
Percebi pelo cheiro que tinha gente nova no pedaço. Ou teria sido a lazarenta da síndica? Bem que veio aqui outro dia, perguntando por animais selvagens. Só pode ter sido ela. Se pensam que vou criar esse bicho estão muito enganados.
*Tive um cachorro caramelo que aproveitou o descuido de um portão sem tranca, foi embora e me deixou uma saudade e um remorso: fui eu que esqueci aberto o caminho por onde Jolim escapou. Tive um gato sem merecência de nome, era só gato, e pronto; e eu gostava dele mesmo que não fosse batizado com outro nome qualquer que não fosse gato. Um dia, subiu no telhado atrás de pássaros. Talvez tivesse inveja de voos porque se fez pássaro e no meio da tentativa percebeu que estava mais para mamão maduro. Atado às asas de um corvo disse adeus pra nunca mais. Tive um pombo que vinha dos confins do universo comer alpiste na minha mão, e nunca lhe perguntei se ele gostava de alpiste. E um coelho de olhos de fogo, atento ao que eu lhe falava. Viveu preso em seu silêncio, nunca me interrompia, nem nunca dizia nada. Havia um cágado tão silencioso quanto o coelho, e se enterrava no quintal, sumia durante séculos e sempre reaparecia com a mesma cara de sempre. Tive galinhas, tive pintos (epa!), tive marrecos e gansos, só nunca tive uma ema a me dar beijo de amor.
*A pomba botou um ovo no dia que ela chegou. E sobre esse ovo descansava cerzindo planos para o filho. Deixo a janela aberta, para que escape quando quiser. Ela voa por espaços que nem sei, e sempre retorna fiel ao ovo que a aguarda. Até que foi embora para nunca mais. Não voltou para a família que estava prometida naquele ovo. Deixou o filho para mim, para que o cuidasse por ela. Certamente abatida por tiro ou capturada por um predador. Joguei o ovo no lixo, ele que era para a ave a coisa mais valiosa que tudo.
PENSAMENTÃO – No Brasil temos apenas heróis. Quem inventou os super-heróis foram os americanos. A diferença entre uns e outros é que herói é aquele que dignifica o título, salvando vidas em incêndios, em hospitais, etc.; e super-herói é o imbecil que veste cueca por cima da calça e salva o Universo (leia Nova York) da ameaça alienígena, que não existe.
Tá vendo como eu estava certo?Você pensou que essa pandemia seria o fim do mundo,por isso está pegando um bicho de cada especie transformando seu apê numa Arca de Noé. rsrsrsr
Denique ingenio habemus!