DIÁRIO DA PANDEMIA
(1) Nas paragens de antigamente havia animais no pasto – cavalos, bois, talvez alguma ovelha desgarrada. E todos, principalmente os bois, tinham nome. Dava-se nome aos bois antigamente. Hoje, são bois anônimos os que compõem a manada do país. Não exatamente anônimos que um ou outro sempre supera a mediocridade e inventa uns mugidos de lavra própria. Mas não passa disso. Como bois que são, nada mais justo que se prestem ao delicado sacrifício a que ficaram prometidos desde que aceitaram formar o grande rebanho.
(2) Nessas paragens de que falo havia o Pastor, me lembro bem do Pastor e do seu jeitinho de vaca. Manso como um perdigueiro. Havia Maná, uma vaquinha mocha, deschifrada. Era valente e não permitia que qualquer um lhe chegasse a mão nas tetas. Todos tinham nome. Não foram batizados, mas tinham nomes cristãos. Saudade daquelas festas bovinas, com muita cerveja e churrasco, e é por esse pormenor que dávamos graças a Deus, pelo alimento e pela festa. Hoje, a grande boiada anônima se pega cheirando o ar como quem campeia perigos. Talvez as vacas não tenham percebido que a ameaça é elas mesmas, e se cheirem e se lambam sem conseguir ler a morte que está escrita em seu destino.
(3) Querer que vacas raciocinem é pedir demais. Nunca vi uma vaca lendo um livro, discutindo sobre uma peça de teatro, criticando a interpretação de Fernanda Montenegro, ou citando Schopenhauer ou Sartre, ou entusiasmada com um autêntico samba, ou declamando um poema de Carlos Drummond de Andrade. Vi, uma vez, um boi mostrando os dentes com um orgulho como se fossem naturais. Mas acho que bem lá no fundo de suas alminhas pobres, todo boi sabe que todo dia é dia de churrasco.
FATOS ESTRANHOS DA HISTÓRIA DO BRASIL – O bispo Vacalhau – mais tarde elevado à categoria de Sardinha – foi muito bem comido por aqueles selvagens espadaúdos, másculos e cheios de veias.
Pois é,a boiada do pasto tinha nome,Traíra,marmita,tostada,mas hoje a boiada tem nomes aristocráticos,como Richard Moura Lima de Albuquerque Vieira Souto Maior ,