DIÁRIO DA PANDEMIA
*A palavra é desapego. De gatos e cachorros, de todos os animais que num momento ou outro participaram de nossa vida. Galinha não conta porque a gente acaba comendo, e o desapego vira assim um lance de saudade. Ou não.
*Parentes e amigos levados pela Peste alimentada por quem devia ter a obrigação de proteger o povo; como desapegar dessa gente condenada como frangos postos no matadouro? Parece que ainda estão todos por aí, e que quando tudo acabar reencontraremos amigos e conhecidos nas rodinhas dos cafés. O pai não morreu e nem foi jogado numa vala. Ele viajou e amanhã volta pra casa. A mãe não morreu, só sossegou um pouco o facho, está na casa da irmã que mora longe. O filho está vivo, amanhã ele tem escola. Os médicos, enfermeiros, todos os profissionais da Saúde estão na praia descansando das batalhas. Mas, então, o que esse vazio que enche nossas casas? O que são essas lágrimas amargas de desesperança? O que é essa solidão e seu grito sem som?
*Brasil, meu país, nau sem rumo, barco bêbado de Rimbaud. Aqui existia uma nação de homens mais ou menos honestos. O país, um navio que singrava águas da paz. Até que o timoneiro inventasse icebergs para naufragar o trajeto da embarcação. Até que o próprio povo escolhesse o Coelho Maluco como timoneiro. O país naufraga, estamos todos afundando. Vamos todos juntos para as profundezas.
PENSAMENTÃO: Quem sente mais a minha falta não é a multidão de mulheres que amei, mas os garçons dos bares que eu frequentava.