7:17NELSON PADRELLA

DIÁRIO DA PANDEMIA

  • Minha coleção de Balas Zequinha vem na minha cama me acordar. Zequinha Caçador dá um tiro pra eu ficar ligado. Zequinha Carteiro traz mensagem da menina que nem foi minha namorada; foi um encontro de repente numa tarde anoitecida, a lembrança congelada como num retrato. Zequinha Alvissareiro, que eu nem sabia que existia, vinha todo feliz trazendo boas novas. “A pandemia acabou?” – perguntei. Zequinha Caçador, disparando fake news, botou todos a correr.
  • Sonhei que eu era um policial e verifiquei a presença de uma autoridade como veio ao mundo. Em estado de pureza? Não. Cheguei no cara, me apresentei e sugeri a ele que vestisse as calças. “E por que devo vesti-las?” – me inquiriu o doutorzinho. Expliquei: “Tem senhoras espiando, e de repente uma delas pode ter uma síncope de tanto rir. Afinal, o biscoito não está fazendo jus à balastraca”. Ele não sabia o que era balastraca. Nem eu. De muita má vontade, o coronelzinho vestiu a anágua que trazia mocozada e foi para casa sem levar multa.
  • Amanheci com uma fome canina. Não canina desses cachorros de madame, que nunca deram duro na vida. Fome canina de cachorro de rua, que recebe pontapé em vez de pão. Ana Graça me chamava de cachorro: “Venha aqui comer tua comida”. E lá ia o totó levando a fome pra passear nas carnes da senhora.

PENSAMENTÃO: Desde que me recolhi ao isolamento não consegui mais colocar a cabeça no lugar.

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