por Thea Tavares
“O que ela quer da gente é coragem”. As palavras de João Guimarães Rosa martelaram minha cabeça nos últimos dias, quase como um mantra. Amigos relatam o mesmo e postagens de outras pessoas nas redes sociais também revelam essa sintonia. Não poderia a literatura ser mais apropriada e se configurar em um desabafo mais expressivo do momento que atravessamos, este notório marco na história da humanidade.
As palavras do escritor poderiam ser fixadas no rodapé do instante, em que após mais de quatro meses de isolamento social, a gente se vê invadida pela desconfortável sensação de fraqueza diante do peso insuportável das privações enfrentadas. Já esgotei toda sorte de raciocínio de consolo próprio da natureza “serumaninha” e de justificativas para não se deixar abater, uma vez que tem sempre alguém em situação pior, mais grave, mais desfavorável, dramática ou injusta que a gente. A consciência de que a desigualdade social é o mais perverso fator de risco e de agravamento dos problemas no mundo gera empatia, mas tão pouco ela é capaz de expropriar hoje o direito que temos de reclamar ou expurgar esse sentimento inquietante e incômodo. Ele só vai se esgotar quando for encarado de frente. Se o copo era meio cheio ou meio vazio, o dilema acabou: entornado está!
É a segunda vez nesse período que o choque de realidade se materializa e se impõe. A primeira foi em 27 de março quando ficou tatuada na memória a cena do Papa Francisco, abençoando o mundo em uma praça vazia e sob um céu azul escuro de temeridades e de assombros. Mas naquele momento, o pânico embutido nele e a descarga de adrenalina que se seguiram, estimulavam também a sermos corajosos diante do inédito e do desconhecido. Agora, o cansaço se deve à demora e à frustração em ver se arrastar em direção ao precipício uma sociedade descontrolada e descompensada por seus negacionismos e suas teimosas incompreensões.
Desde o início, mesmo enquanto as autoridades mencionavam meses como maio, junho, julho e agosto como agendamentos do retorno à normalidade, já se especulava também que o mais seguro seria pensar que isso poderia acontecer não antes de setembro – bem pé no chão! – ou depois, até termos de fato vacina e tratamentos eficazes contra esse mal. Só que quanto mais descarrilada a situação, mais incerta, fugidia e distante se apresenta a resposta ou uma solução.
Claro que esse gosto amargo e essa elucubração de nada aliviam as tensões do momento; apenas sobrecarregam os ombros e multiplicam nossos cabelos brancos. Diante da imagem do Papa na praça, ainda que com taquicardia, o consolo foi pensar: – Isso vai passar! Agora, a autodefesa pede que a gente responda: – Como? O tal do “novo normal” – contraí ranço desse termo – não soa confiável. Mesmo com tudo o que iremos incorporar de novidades ao dia a dia, a partir dessa experiência, a natureza humana seguirá dando as cartas no jogo. Sairmos melhores depende de cada um, em um aditivo contratado consigo mesmo, mas, com toda certeza, emergiremos mais fortes e resilientes. Prontos para uma próxima invernada que inimaginavelmente supere as condições das intempéries atuais.
Até lá, é carregar a responsabilidade de que, mais do que nunca, as ações individuais têm consequências, legados e lições universais. A própria determinação de achar cotidiana e corajosamente pequenas e simples soluções audaciosas de superação é um bem que se constroi e que se semeia nesse abraço à distância. A ausência de contato fortaleceu a consciência do quanto somos seres gregários e vivemos em comunidade. A tal da distância que aproxima. E que só de fato conheceremos as pessoas quando olharmos bem para dentro e entendermos o funcionamento de cada célula nesse organograma.
A coragem que a vida nos pede hoje é a de se encarar e de promover um entendimento prático, claro e objetivo com a pessoa que já se encontrava confinada, dentro de si mesma, antes que a pandemia do novo coronavírus viesse dar o ar de sua desgraça.