20:34O que virá é o povo

por Mário Montanha Teixeira Filho

Não gosto da expressão “novo normal”, assídua em previsões sobre o que virá a seguir da pandemia. Ela não diz nada, a não ser do gosto que se tem de reduzir a vida a conceitos rasos, explicações imediatas, fórmulas simplistas. Para os que conseguirem respirar até o fim do pesadelo, a reconstrução do cotidiano será uma caminhada difícil, mais longa ou menos longa, terrivelmente dura ou cercada de alguma leveza, tudo conforme as possibilidades de cada um. Muito provavelmente, o ser humano não ficará mais generoso depois dessa. Continuará prisioneiro dos seus pequenos medos, do oportunismo que move os negócios, da competição permanente, de sonhos individuais que não se realizam.

Corpos sem vida se recolhem em vários pontos do planeta. São milhares, milhões, largados apressadamente sob a terra, desprovidos de homenagens, desacompanhados de lágrimas, do adeus que consola – cerimônias fúnebres invisíveis, transformadas em números que gelam diante das nossas retinas. Se a morte não comove agora, não comoverá na posteridade. Nem fará dos vivos seres bondosos e solidários. Em sua essência, as coisas continuarão como sempre. Mas o “sempre”, com seus traços grotescos, sabe-se bem o que é (ou o que foi, ou o que pretende ser): a desigualdade, as injustiças, a malandragem, a não-poesia.

Se alguma coisa restará – e restarão muitas coisas, por certo –, dê-se crédito a quem merece, à multidão subjugada pelos estereótipos triunfantes, aos que trabalham em silêncio, condutores da vida que há. Enxergo-os com o que me resta de esperança, os rostos de povo, e me aproximo deles, e aguardo a passagem do tempo para que possa tocá-los com meus lábios.

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