por Igor Gielow, na FSP
Solução adotada sem sucesso por Collor em 1992 é objeto de conversas entre fardados
Incomodada com os desdobramentos imprevisíveis da prisão de Fabrício Queiroz, a ala militar do governo Bolsonaro começou a discutir a oportunidade de montar um “ministério de notáveis”.
A expressão remonta a 1992, quando Fernando Collor encarava denúncias de corrupção que levaram à abertura do processo de seu impeachment e à sua renúncia naquele ano.
O então presidente, acossado politicamente, adotou uma ideia do aliado Paulo Octávio do tempo de sua campanha: colocar figuras de proa em áreas estratégicas, com suporte de partidos do que hoje seria chamado centrão.
O líder do processo foi o mandachuva do PFL, Jorge Bornhausen, que assumiu a Secretaria de Governo. Não deu certo, como se sabe, e mesmo Collor viria a dizer em 2005 que era um “ministério de traidores”.
Agora, a situação seria diferente, disseram a interlocutores integrantes fardados do governo. A gestão Bolsonaro tem seus dois principais ministérios sociais, Saúde e Educação, ocupados por interinos, por exemplo. Logo, haveria uma janela de oportunidade para dar um “reset” no governo, na opinião dos generais palacianos.
No caso da Saúde, sensível devido ao combate à Covid-19, a eventual saída do general da ativa Eduardo Pazuello da chefia interina ainda aliviaria as críticas do serviço ativo do Exército ao desgaste de sua presença.
Nas conversas, que já atingiram ao menos dois candidatos potenciais para amplificar o plano, obviamente os “notáveis” viriam acompanhados de apoio político no Congresso.
O óbice inicial à maquinação chama-se Jair Bolsonaro, que não foi consultado ainda sobre a ideia. A longamente protelada demissão de Abraham Weintraub da Educação, para os generais, mostraria que ele poderia topar.
O problema é o outro lado. Tirar Weintraub foi um pedido de desculpas tardio ao Supremo Tribunal Federal, insultado gravemente pelo ministro e pontualmente pelo próprio Bolsonaro. Não parece ter funcionado como elemento de apaziguamento.
A Folha ouviu dois líderes importantes de partidos que negociam cargos com o governo Bolsonaro, que buscou apoio naqueles que antes demonizava para cabalar votos contra um eventual processo de impeachment.
O resultado variou entre descrença e risadas, além da lembrança de que o “ministério de notáveis” de 1992 foi uma espécie de transição negociada com o mundo político enquanto Collor agonizava em praça pública.
Os fardados do governo não aceitam essa hipótese, mas concedem que o governo enfrenta dificuldades políticas enormes.
Ao longo da quinta (18), após a prisão do ex-assessor, a Folha conversou com atores de diversas colorações partidárias, militares e membros do Judiciário. Há consenso, mesmo entre pessoas simpáticas ao presidente, que seu isolamento é um beco sem saída.
Aqui e ali alguém se pergunta se haveria o risco de uma radicalização, como a prometida em nota envolvendo a ideia de que as Forças Armadas poderiam se insurgir contra o Supremo, que foi assinada por Bolsonaro, pelo vice Hamilton Mourão e pelo general Fernando Azevedo (Defesa).
O repúdio majoritário na cúpula do serviço ativo ao teor da nota, ainda que ele seja proporcional à irritação com o Supremo, indica que não.
Mais, a prisão de Queiroz calou fundo entre militares, do governo e da ativa. Um general exemplificou que uma coisa seria defender retoricamente o governo ante o que consideram exageros do Judiciário.
Outra, diz, seria manter tal apoio caso sejam comprovados elos ainda mais constrangedores entre a família presidencial e o ex-assessor, investigado por sua relação com milícias e irregularidades.
Tal Rubicão, para ficar na metáfora do rio que nenhum general romano podia cruzar em direção à capital, não seria ultrapassável.
Por óbvia, fica no ar a pergunta sobre o conhecimento que os militares tinham dos riscos de associarem-se a Bolsonaro, dado que eles mandaram na área de segurança do Rio de Janeiro em 2018, uma intervenção liderada pelo general Walter Braga Netto –hoje chefe da Casa Civil.
Naquele ano, foi apurada a existência do esquema de desvios na Assembleia Legislativa local, que chegou a Queiroz e a seu ex-empregador, o filho presidencial Flávio Bolsonaro.
De todo modo, o cruzamento das duas informações permite supor que os militares no governo querem primeiro manter a governabilidade de uma gestão que só lida hoje com crises.
Se há uma ideia secundária de sobrevivência política no caso de Bolsonaro tornar-se inviável, como supõem os líderes partidários, aí a repetição de 1992 se torna ainda mais notável.