por Alex Palhano
No amor, bebemos o veneno pra apressar a cura.
Foi assim que ela o matou dentro de si. E partiu tatuada de memória e saliva de todos os seus amores. Deu pra sentir bem de longe um suspiro saindo lá dentro: uma brisa confusa entre a esperança e a dor. Deve ter sido pelos amantes que ainda estão por vir. Deve ter sido. Terá. Que seja.
Mais adiante, um espelho à sua frente a denunciava. Tentou se reconhecer. Nunca mais era a mesma desde sempre. De frente pra si, não resistiu à própria imagem e se viu disparando previsão: “Sou uma alma nublada de emoção. Carrego nuvens, uns feixes de luz e trovoadas, e o vento não me segue. Meu tempo é outro. É e foi”.
Dito isso com a voz rouca de seus olhos, seguiu para qualquer lugar dentro de si. Seu coração safenado, lotado, solitário e derramado, taquicardiava a certeza de que tudo será de novo novo, mesmo que não seja, nem fosse nunca.
Além de esperança – sua maior inimiga – ela tinha fé. E tentava converter-se todo dia em algo que nem sabia de ser. Era lágrima, fogo, desejo, solidão, ferrugem, perfume, fumaça, lembrança, saudade e sede… Sua alma já estava hipotecada pela conta de seus sonhos. Mesmo assim, ela ia.
Esperou o trem. Viu um avião passar. Pediu carona. Embarcou em história nenhuma dos outros nunca mais. Queria ir. Pensou em se infinitar, mas desistiu. Amava demais a vida; gostava do que podia imaginar gostar. Esperava em vão não ter mais de esperar. Tentava pescar felicidades num poço sem fundo. Era de lá que tinha vindo. Sabia boiar como ninguém. E se fingia de morta por horas, dias, meses, anos, eternidades.
Mudou-se de novo. Reiventou-se como de costume. Caiu, como se estivesse sempre pronta para o chão. Quando vivia, vivia tudo: agarrava-se a um segundo de felicidade, um minuto de gozo e era feliz para sempre. Quando chorava, chorava como se fosse uma guitarra dedilhada por um bêbado embriagado de memórias. Depois engolia tudo, como fazia com os sapos.
Passou, passou, passou… E resolveu faxinar-se. Varreu aquela saudade de se sentir amada pra debaixo do tapete (aprendeu que não há como se livrar dessa saudade). E antes que ficasse limpa, sujou as lembranças com o nome dele. E de todos os seus amores… E foi.
Foi-se um tempo. Dois tempos. E no meio de todo esse tempo feito de pele e alma, veio o vazio. Já não sentia mais nada. Quer dizer, sentia… Era a lucidez dos finais. Aquela mulher entendeu que depois do fim é que começa. É o depois que nunca termina.
* Jornalista, cronista e empreendedor subversivo