18:09O guardião das trilhas sonoras de nossas vidas

por Ney Hamilton

Faleceu em Curitiba o maior colecionador de trilhas sonoras da América Latina, Clésius Marcus Real de Aquino. Tinha 74 anos. Morreu de complicações renais e respiratórias após uma cirurgia. Era paulista de Araraquara (como Ignácio de Loyola Brandão e Zé Celso Martinez Correia). Adotou Curitiba, onde na década de 80 inaugurou a icônica loja Raridade Discos, uma espécie de Capela Sistina ou Museu do Louvre para os amantes da música. Clésius tinha muitas facetas, fotógrafo, comerciante, colecionador, bibliófilo.

Fisicamente parecia um personagem saído do Renascimento. Intelectualmente também. Era culto, fino, bem-humorado.Tinha a expressão luminosa (e iluminada) de um personagem de uma das telas de Rembrandt. De “Ronda Noturna” talvez.

Era um verdadeiro “Google” da música. O universo das trilhas sonoras era o seu domínio absoluto. Parecia que ele assistia a todos os filmes lançados no Brasil, Estados Unidos ou Europa.Campeões de bilheteria, ou filmes de arte e de diretores que quase ninguém conhecia. Clésius conhecia. Era assombroso que ele tivesse na cabeça tantas informações sobre cinema e música de todos os gêneros num mundo onde a internet ainda engatinhava e não havia filmes ou arquivos musicais por streaming. Era o que se chamava – ou ainda se chama – de um sujeito enciclopédico. Tinha dois compositores de trilhas prediletos, o americano Henry Mancini e o italiano Ennio Morricone. De Mancini tinha todos os discos lançados aqui, nos EUA, Europa e Japão. Alguns autografados e dedicados de próprio punho, que ele conseguiu em viagens a Nova York.

Conheci Clésius quando fiz uma reportagem sobre sua incrível coleçãode trilhas (mais de 5 mil vinis) para o Jornal da Globo, em fins dos anos 80. Virou amigo e fornecedor de discos difíceis. Os que não conseguia através de catálogos especializados ou por serem muito raros não significava empecilho. Fazia gentilmente cópias de seu acervo pessoal. Inicialmente em k-7. Depois em CDs.
Uma visita à sua loja mudava e enriquecia a perspectiva que se tinha sobre música. Era um universo a descobrir.
A tecnologia engoliu os fabulosos tempos dos vinis e cds. A vida levou um amigo e um verdadeiro mentor de boa música. Levou o guardião das trilhas sonoras de nossas vidas. Cada um de nós tem uma trilha sonora para chamar de “minha”. Clésius conhecia todas elas.
Deixa os filhos Daphne, Clésius Fº, Noelle, Alyssa, Alisson e Ellen. E os netos Ewan, Francisco, Flávia, Olívia, Alice e Miguel. 12 ao todo. Como se fosse um disco de vinil “long play”. Com 6 faixas de cada lado. Significativo

*Ney Hamilton Michaud é jornalista


Clésius Marcus Real de Aquino

4 ideias sobre “O guardião das trilhas sonoras de nossas vidas

  1. Oto Lindenbrock Neto

    Conheci a loja Raridade Discos. Ficava no começo da rua Visconde do Rio Branco, no centro.. Tinha um acervo muito bom mesmo. Vai ficar na memória afetiva da cidade. Descanse em paz, Clésius. Onde você estiver deve ter a companhia de grandes músicos. Você merece.

  2. Sander José de Souza

    Gente Boa e Sempre bem Humorado pelo menos pra Mim que era um frequentador assíduo da Loja da Visconde … comprei muitos discos Raros com Ele
    Joy Division, Psychedelic Furs, The Church, Doors, Patty Smith, …. 😔😔😔

  3. Rodrigo Tosin

    Conheci essa pessoa incrível e culta, tive o privilégio de almoçar em seu apartamento uma vez e comer uma deliciosa macarronada que ele fez, e ouvir com ele em sua sala de som varias trilhas maravilhosas, descanse em paz meu amigo. Esteja nos braços do criador…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.