7:03Sommeliers de democracia

por Reinaldo de Almeida Cesar*

O título é muito apropriado. Não é criação minha, quem me dera ter tido essa sacada. A autora é Mariliz Pereira Jorge, colunista da FOLHA.

Hoje há uma única certeza entre os que amam a democracia e lutam pela sua preservação: mais do que nunca é preciso união, coesão, esforço coletivo. Muito, muito altruísmo.

Nos últimos domingos, o dito bolsonarismo raiz nos enfastiou com manifestações de desapreço à democracia, pedindo o fechamento do Congresso e do STF. Eram poucos, mas estridentes. Carregavam ignaras faixas clamando por intervenção militar. Encenaram até batida de marcha militar empunhando tochas. Ao lado do presidente da República, desceram a rampa do Palácio desfraldando bandeiras de outros países. A mesma rampa colocada ao lado do parlatório no Planalto, genial criação de Oscar Niemeyer para conectar o governante ao piso da nação.

Contra isso tudo e muito mais, surgem os benfazejos movimentos “Somos 70%”, “Basta”, “Estamos Juntos”, “Juntos pela Democracia”.

Lideranças muito atuantes no parlamento e nas redes sociais, como Joice Hasselmann, Tábata Amaral, Kim Kataguiri, Alessandro Molon e Marcelo Freixo em boa hora criaram grupo de mensagens para ajustar ações políticas de resistência. Deixaram de lado as suas firmes convicções e visões de mundo – que de tão distintas tanto as afastam – para somar forças nesse momento crucial.

Impossível então compreender – a não ser por uma atávica soberba ou mero projeto eleitoral – que algumas vozes da esquerda, com PT e Lula à frente, neguem apoio a esses movimentos ou, tanto quanto pior, apresentem-se na condição de juízes de adesão, como se congregar no entorno da democracia fosse um country club do qual só participa quem supera a bola preta. Imaginam-se capazes de moralmente apontar o dedo imaculado indicando quem poderia ou não somar forças num mais do que nunca necessário cinturão em defesa da vida democrática. Apresentam-se como sommeliers de democracia.

Atacam o influenciador Felipe Neto e o músico Lobão. Vetam os que atuaram em razão de função na Lava Jato. Torcem o nariz empinado para isentos. Rechaçam o apoio de quem, não se sentindo representado, anulou o voto ou votou em branco no segundo turno de 2018.

No período de redemocratização ao final do ciclo militar, sindicalistas, estudantes, a classe média, gente de todos os matizes políticos, professores, grandes empresários, militantes de partidos proscritos, trabalhadores, todos foram abrigados numa generosa frente democrática. E todos se emocionaram com a campanha das Diretas-Já, entre 1983 e 1984, um ponto alto da vida nacional.

Na eleição presidencial de 1989, Mario Covas e Brizola – figuras marcantes, de forte personalidade – subiram com humildade no palanque para defender o nome de Lula, no segundo turno contra Collor. Em 2012, no auge da disputa pela prefeitura de São Paulo, as lentes registraram Lula e Haddad nos bem aparados gramados da lendária casa do requintado Jardim Europa, agradecendo o apoio de Paulo Maluf. Restando poucos dias para esta última eleição presidencial, Lula escreveu carta pedindo o apoio e o voto de todos contra a ameaça do fascismo.

Há algum sentido no ontem e no hoje ? No meio de uma cruel pandemia, na imperiosa necessidade de salvar vidas, gerar empregos e renda, não dá pra somar forças na defesa dos valores democráticos e deixar 2022 para… 2022 ?

Nesse momento, Bolsonaro não é adversário. O pensamento estampado no bolsonarismo em estado puro é que é inimigo.

Já dizia o Dr. Ulysses, quem não se une, se desune.

Talvez esses sommeliers de democracia de agora sejam os mesmos que, numa agradável noite na Ipanema de 2002, descorcharam o Romaneé-Conti sorvido em largos goles na celebração da primeira vitória presidencial do PT.

Vitória, aliás, legítima e incontestável.

Que foi conquistada sob o manto da democracia, hoje tão aviltada e sob intensa ameaça.

*REINALDO DE ALMEIDA CESAR é antifa e antirracista. Foi presidente do Centro Acadêmico “Hugo Simas”, em 1984.

4 ideias sobre “Sommeliers de democracia

  1. SERGIO SILVESTRE

    Eu vejo o mundo sentado numa pedra e me lembrando dos 4 longos anos de estudo que tive,talvez pela minha ignorância,ou falta de paciência,onde servi no BGP ,não notei maldade no presidente Medici,mas resolvi sair do exercito em 1973 e encarar uma aventura no MPLA.
    Não quis combater nossa guerrilha nem se associar a ela,e depois de tantos anos vejo que fiz aquilo que seria melhor,um Pais de raça negra independente,enquanto que aqui nesse período tivemos aquilo que se chama “republica de bananas’,dois presidentes afastados pelo impeachment,e nesse intervalo só tivemos um presidente que valeu a pena,deveria ser mais lembrado como o grande presidente que em apenas 2 anos fez para o Brasil o que muitos não fizeram em 8 anos.
    Não vejo ruas,estádios,logradouros em geral com o nome dele,parece um presidente esquecido,mas foi o unico que saiu sem macula,mas foi traído pelo FHC e um congresso que ao passar dos anos sempre vai piorando mais um pouco.
    Pois é ITAMAR FRANCO,o Brasil foi gestado para malandros políticos,magistrados bandoleiros e pastores de gado dócil.

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