Do Consultor Jurídico
por Leno Luiz Streck
Não se fala de outra coisa. Oito horas de depoimento — uma montanha de palavras — produziram um ratinho (parafraseando Moro quando confrontado com os vazamentos do site The Intercept).
Moro, na verdade, caiu em um paradoxo. O que é um paradoxo? É algo sobre o qual não podemos decidir. O mais famoso é o “Paradoxo de Epimênides”: “Um cretense disse: ‘todos os cretenses são mentirosos’”. O Apóstolo Paulo (Atos, 17), usando-o, disse: se este enunciado é verdadeiro, é falso, já que um cretense mentiroso o fez.
O famoso Liar Paradox explica o ratinho produzido pela montanha de palavras. Afinal, como eu já havia profetizado em entrevista ao Estadão, se Moro prova o que denunciou de Bolsonaro, auto incrimina-se. Portanto, se vence, perde. Se Bolsonaro fez tudo o que Moro disse que fez, então Moro sabia. Se sabia, prevaricou, no mínimo. Consequência: desdisse-se. Tergiversou. Eis o ratinho que se esgueirou por entre milhares de palavras.
Portanto, Bolsonaro pode ficar tranquilo: Rabbit does not come out of this bush (na minha terra se diz “desse mato não sai coelho”). Mas no meio de tanta letrinha, exsurgem algumas coisas. Apenas duas, porque, em termos de incriminação stricto sensu do presidente, parece unanimidade na comunidade jurídica que Moro disse nada (e eu insisto: não podia dizer, mesmo, justamente por causa do “fator Epimênedes”).
E quais são as duas questões? A primeira: ficou feio para a delegada da PF e para os procuradores da República, sempre tão ciosos com depoimentos, permitirem que o ex-juiz desse uma de “ainda juiz” durante o longuíssimo depoimento (em 28 anos de Ministério Público, nunca tive um depoimento de mais de duas horas).
Por exemplo, Moro disse que destruiu mensagens trocadas com Bolsonaro, dizendo-as desimportantes. Como lembrou Pedro Serrano, se algum depoente da Lava Jato falasse isso seria preso cautelarmente por obstruir a investigação. Afinal, trata-se de um telefone oficial e de trocas de mensagens com nada mais, na menos, do que o presidente da República, o que não é pouca coisa, pois não? E a delegada e os procuradores aceitaram tudo isso passivamente, reverenciando o depoente. Digam-me: é o depoente quem diz o que é importante para uma investigação? Criaram — ativisticamente — um inciso novo para artigo do CPP que trata do interrogatório? Algo como “o juiz pedirá ao réu que diga aquilo que, no seu entendimento, considera importante para o processo”.
E Moro complementou: “Que o Declarante esclarece que tem só algumas mensagens trocadas com o Presidente, e mesmo com outras pessoas, já que teve, em 2019, suas mensagens interceptadas ilegalmente por HACKERS, motivo pelo qual passou a apagá-las periodicamente (sic)”. Pronto. Então as mensagens interceptadas existiram? Ele então tinha no seu celular (ou era o celular do Estado?) mensagens dos tempos de juiz, certo? Em 2019 foram haqueadas. Sem querer fazer exercício de lógica, se isso, então aquilo…
O que se lê é que, passando por cima dos seus interrogadores e assumindo o comando da audiência, o depoente diz que não disponibilizaria mais mensagens de seu telefone porque (i) tem caráter privado (inclusive as eventualmente apagadas) ou (ii) se trata de mensagens trocadas com autoridades públicas, mas sem qualquer relevância para o caso, “no seu entendimento”.
“No seu entendimento?” Vamos tentar entender isso: Moro é o juiz do inquérito ou o depoente? E os Procuradores deixaram por isso mesmo?
Outra de cabo de esquadra foi a constante resposta “perguntem a ele, o Presidente”. Se Moro interrogasse Moro, imaginem o que aconteceria com um réu se assim falasse…
Se o Brasil não existisse, teria que ser inventado. Catilina patientia nostra, até quando os fins justificarão os meios?
O que dizer para os nossos alunos de processo penal e direito constitucional e de deontologia jurídica?
E pensar que Moro saiu do Ministério recitando o conceito de rule of law. Vejamos então o conceito de rule of law e comparar com os atos do Moro, como juiz e ministro. O rule of law, segundo o conceito clássico, é o que chamamos no mundo continental de Estado de Direito, o mecanismo, processo, instituição, prática ou norma que apoia (sustenta) a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, assegura uma forma não arbitrária de governo e impede o uso arbitrário do poder pelos órgãos estatais. Que tal?
Comecei com Paulo e termino com Paulo. Em Coríntios 15.33, Paulo cita a comédia de Menandro: “as más conversações corrompem os bons costumes”.
* Jurista, professor de Direito Constitucional, titular da Unisinos (RS) da Unesa (RJ).
COMENTÁRIOS DE LEITORES
10 comentários
O APITO DOURADO DE SÉRGIO MORO
José Cuty (Auditor Fiscal)
Há um artigo interessante publicado aqui na Conjur que comenta a tese, levantada por alguns juristas, da autoincriminação de Moro. Na visão de André Luiz Callegari e Ariel Barazzetti Weber, os autores do artigo, Moro pode se beneficiar da figura do “informante do bem”, introduzida pela Lei 13.964/2019.
INTERROGATÓRIO OU PALESTRA À ADMIRADORES?
Celso Tres (Procurador da República de 1ª. Instância)
Rogo a paciência de lerem o resultado do 1/3 de dia em inquirição. Data venia, não é interrogatório. É palestra a admiradores. Lembram o ‘modus faciendi’ do então Juiz Moro inquirindo réus e testemunhas da Lava Jato? Suavam frio ante a S. Exa. Aquilo é questionamento. De objetivo, Moro diz que não houve crime de Bolsonaro, atribuindo ao PGR Aras a responsabilidade por enxergar delito na sua histérica saída do governo. Chefe do MPF quem responderá por denunciação caluniosa? Questionamentos óbvios foram olvidados pela plêiade de investigadores, levados de Brasília à Curitiba a custo estratosférico, voo próprio com aeronave da Polícia Federal. Vantagem indevida, pensão ou vaga no STF, para deixar a magistratura e assumir o Ministério da Justiça?! Recente juramento público de Moro – roda viva, globo news … – dizendo que o Presidente nunca interviera nas investigações?! Cronologia dos fatos(mensagens, reuniões, contatos com o Presidente, Diretor da PF, investigações alvos de intromissão política …)?! Manifestações públicas – entrevistas e dizeres nas redes sociais – de Moro e Bolsonaro após o episódio?! Insolitamente, Moro foi quem determinou as provas a serem produzidas, deixando cópia apenas parcial – após grandiloquente exibição no Jornal Nacional – da interlocução que deseja mostrar, mantido intacto o restante, blindando-se à nova Vaza Jato, sublimando por o próprio orientar a Autoridade Policial, pleiteando vídeo da reunião ministerial. Fiquemos por aqui no decálogo do absurdo. Não é à toa, emblemático, que, no correr da vespertina/noctívaga inquirição, chamaram pizza.
Condenar, manchar a biografia do Dr.Moro é objetivo dos que foram condenados na Maior operação anti corrupção na história deste pais, e, são muitos.
E de forma leviana tentam extrair conclusões sem ouvir testemunhas, vídeos e a versão do oposto.
A figura do Presidente destoa da normalidade e normas que o cargo exige. Fez campanha como principal mote: combater o fisiologismo, corrupção etc. Não resistiu, e, por sobrevivência mudou toda suas premissas de campanha.
Depressão, crise geral, como seremos salvos?
Para um Presidente colocar a superintencia da polícia federal acima da pandemia, é sinal de que estamos órfãos