de Fernando Muniz
O rio, de costume tão manso, não está mais. Há dias uma corredeira se formou após nuvens negras desabarem na sua cabeceira, levando tudo, bois, árvores, carros e pessoas.
Desde anteontem, na falta do que levar pelo caminho, é só água bravia que muda de um lado para outro com violência, formando uma espuma branca, que se mistura ao bege das terras levadas para o mar. O vilarejo, cortado pelo rio, pensa em castigo divino, ou obra do Sassafrás.
A garotada grita de alegria junto às barrancas, hipnotizada com aquela força da Natureza, muito mais interessante do que trepar em árvores, por mais altas que sejam, ou matar passarinhos.
Menos o Pedro.
Desde que o rio se transformou, a esconder as pedras em que costumava pular de uma margem à outra, ele mudou. Foi para o meio da ponte de madeira – que, por milagre, resiste às águas – e de lá não arreda o pé.
“Sai daí menino”! Tímido, retraído e sem amigos, Pedro costuma obedecer a sua mãe. Não desta vez. O rio e sua violência parece um conhecido de muitos anos, que após se perder pelo mundo resolve voltar e lhe fazer companhia.
Ele conversa com o rio, traça planos e explica suas intenções. O mundo é grande, para muito além dos morros que cercam o vilarejo. Por que fincar raízes neste lugar desbotado e infeliz?
O dia segue o seu caminho, assim como o rio. Não há quem faça Pedro sair da ponte. E ninguém tem coragem de tirá-lo lá. Ela sacode e dá trancos, retorcida pelo rio, soltando ruídos a ponto de as pessoas fazerem o sinal da cruz. O pai de Pedro, chamado às pressas na roça, corre para acudir o menino, mas, ao chegar, consegue apenas ficar de joelhos. E chora.
Nas barrancas a meninada começa a gritar, falar besteiras, apontar para o rio, e, não demora muito, levam safanões do padre. Brincar com a morte não é coisa de cristão.
Mas Pedro nem quer saber de nada. Sente-se forte, em paz e satisfeito, transformado por aquela energia que o abraça.
E pula n´água.