por Ruy Castro
Em busca do recorde de Jim Jones na categoria holocausto particular
Em novembro de 1978, um americano, James Warren Jones, 47 anos, “reverendo” da seita Templo do Povo, fundada por ele mesmo, induziu seus 909 seguidores numa comunidade agrícola chamada Jonestown, na Guiana, a cometer suicídio em massa, tomando suco de frutas (sabor uva) misturado com cianeto. Os primeiros a morrer foram as 276 crianças do local, envenenadas pelos pais. Em seguida, estes se deitaram e tomaram a beberagem fatal. Ato contínuo, Jim Jones, como passou à história, se matou com uma bala na cabeça.
Seu argumento para convencer os fiéis a morrer foi uma ameaça de invasão da comunidade por um suposto inimigo, nunca devidamente definido, que os escravizaria e submeteria a lavagem cerebral. O conteúdo das pregações de Jones era confuso e envolvia marxismo, budismo e metodismo, tudo embrulhado em roupagem messiânica ao estilo de Stalin ou Hitler. Não por acaso, sua mãe, quando ele nasceu, em 1931, na rural e atrasada Indiana, dizia ter dado à luz um “messias”. Jones também devia se ver assim, porque parecia acreditar no que dizia. O fato é que nenhum outro líder carismático levou tantos seguidores —quase mil, de uma só vez e a uma simples ordem— tão cegamente à morte. Até agora.
Jair (já de batismo Messias) Bolsonaro pode bater o recorde de Jim Jones. Sua audácia em contrariar a ciência, a OMS, as medidas mundiais e o bom senso, insistindo em levar seus apoiadores a expor-se ao coronavírus, não é muito diferente de propor um suicídio coletivo.
É verdade que ele é o primeiro a seguir o próprio conselho. Sai à rua, deixa-se tocar e circula entre possíveis infectados como se fosse à prova de contágio. Ao desfilar sua autoproclamada invulnerabilidade, parece querer provocar um holocausto particular, como o de Jim Jones.
Jones, pelo menos, foi até o fim. Bolsonaro, para ser coerente, também terá de ir. E não será por falta de bala.
*Publicado na Folha de S.Paulo