17:01Novo coronavírus pode causar estresse brutal sobre sistema de saúde

por Drauzio Varella

Emergência não será resolvida por economistas que defendem manter o teto de gastos para a Saúde

Prever o futuro de uma epidemia é tarefa inglória. Quando se trata de um agente infeccioso que entra pela primeira vez em contato com seres humanos, fica pior.

Mesmo reconhecendo que as variáveis são tantas e as perguntas mais numerosas do que as certezas, já podemos tirar alguma conclusões.

1) Está claro que o atual coronavírus (chamado de Sars – COV-2) se adaptou muito bem à transmissão inter-humana, por meio das secreções das vias aéreas. A doença foi detectada na China, em dezembro, e se espalhou pelos continentes em três a quatro meses. É uma pandemia, quer dizer, todos corremos risco de adquirir esse coronavírus.

2) O isolamento forçado de regiões com milhões de habitantes na China, o fechamento da fronteira com a Rússia, a paralisação das atividades e a proibição de deslocamentos num país como a Itália, os policiais nas ruas das cidades atingidas, a fiscalização em aeroportos e o cancelamento de viagens aéreas foram medidas que talvez tenham retardado a entrada do vírus em algumas regiões e até reduzido a velocidade de disseminação, mas foram incapazes de deter a propagação pelo mundo.

3) O quadro clínico é variável, depende da idade, da presença de doenças crônicas, do tabagismo e da eficiência do sistema imunológico individual. A evolução é benigna em mais de 80% dos casos.

A taxa de mortalidade aumenta com a idade. As crianças com menos de dez anos são poupadas —no entanto, não sabemos até que ponto serão portadoras relativamente saudáveis do vírus que infectará os familiares.

Dos 10 aos 40 anos, as mortes são eventos raros: ao redor de 2 em cada 1.000 infectados. O problema é a mortalidade na faixa dos 70 aos 80 anos (cerca de 8% a 10%) e nas pessoas com mais de 80 anos (de 14 a 20%).

4) Como esses números variam muito, ficam difíceis de serem interpretados. A OMS estima que a mortalidade média no mundo está ao redor de 3,5%, mas na Itália passa dos 6%, enquanto na Coreia do Sul é de 0,7% e na Alemanha ocorreram apenas duas mortes em 1.300 infectados. Como explicar tamanha discrepância?

Até aqui, não surgiram evidências de que o vírus da Itália seja mais agressivo.

Certamente os coreanos e os alemães testaram mais gente, e detectaram maior número de infecções assintomáticas ou com sintomas mínimos, enquanto o sistema de vigilância italiano teria deixado de diagnosticar esses casos iniciais. Se contarmos apenas os doentes mais sintomáticos que procuram os hospitais, a porcentagem de óbitos aumenta. Por uma série de razões, os epidemiologistas consideram mais precisos os dados coreanos e alemães.

O fato de 22% dos italianos terem mais de 65 anos, enquanto na Coreia esse número é de 14%, talvez seja parte da explicação. Digo parte porque a Alemanha tem uma população de idosos próxima da Itália.

5) No Brasil, os casos iniciais foram diagnosticados em pessoas que se infectaram em outros países, principalmente na Itália, mas também em lugares como os Estados Unidos. Agora surgem as primeiras infecções comunitárias, isto é, as de brasileiros que adquiriram o vírus sem terem viajado para o exterior nem tido contato com viajantes. Isso é um marco: significa que o aumento do número de infecções será crescente nas próximas semana.

O que vai acontecer?

Embora a velocidade de propagação possa ser reduzida às custas da adoção de medidas preventivas individuais e coletivas, tudo indica que uma epidemia de proporções nacionais provavelmente vai acontecer.

Num país de dimensões continentais, ela vai adquirir características regionais, com diferenças entre o norte e o sul ou o sudeste, entre as cidades grandes e as pequenas, entre litoral e interior. O risco de uma trabalhadora que depende de transporte público na periferia de São Paulo ou Recife, não é o mesmo que o de um trabalhador rural do centro-oeste ou de um ribeirinho no Pará.

Uma coisa é certa: a depender da velocidade de disseminação da epidemia o estresse sobre o sistema de saúde poderá ser brutal. Vou explicar:

1) No mínimo 80% dos infectados desenvolverão quadros semelhantes aos dos resfriados comuns, que podem e devem obrigatoriamente ser tratados em casa, com isolamento para não transmitir o vírus. O doente e os familiares devem lavar as mãos com frequência, usar máscara, higienizar maçanetas e superfícies de uso comum, separar talheres e pratos e reduzir ao máximo a possibilidade de contato com outras pessoas.

Se todos que ficarem resfriados correrem para o pronto-socorro, será o caos na saúde pública ou privada. As salas de espera ficarão lotadas —como já acontece em hospitais particulares de São Paulo— de gente infectada que transmitirá o vírus para pacientes com outras enfermidades, à espera de atendimento, além de colocar em risco os profissionais de saúde.

Não podemos esquecer que mesmo a doença com pouco sintomas afastará enfermeiras, atendentes, médicos e outros profissionais da linha de frente.

2) E os outros 20% de doentes que evoluem com sintomas mais exuberantes? Embora representem a minoria dos pacientes, na China um quarto deles precisou de internação; na Itália, cerca de 50%.

Esse é o desafio que enfrentaremos. Os casos graves representarão uma carga pesadíssima para o SUS e para os planos de saúde, com repercussões graves na economia do país.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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