por Ruy Castro
Woody Allen tem seu livro recusado por um grande grupo editorial com sede na Europa
Como faz há anos, Woody Allen continua tocando sua clarineta às segundas-feiras no Café Carlyle, em Nova York. Durante a hora e meia em que se apresenta, acompanhado por jazzistas tradicionais, é como se aquela música —temas de quase cem anos, como “Rosetta”, “Heebie Jeebies”, “Potato Head Blues”— o levasse a uma Nova Orleans que talvez nunca tenha passado de lenda, melhor que sua áspera realidade de hoje. O próprio Carlyle Hotel, em cujo térreo fica a boate, também é, desde 1930, um endereço mágico. Onde mais um presidente dos EUA, John Kennedy, poderia receber às escondidas a mulher mais famosa do mundo, Marilyn Monroe?
O Carlyle deve ser dos poucos lugares em que Woody Allen está a salvo de Ronan Farrow, seu filho com Mia Farrow e que não descansará enquanto não acabar de destruí-lo. O motivo é a acusação, nunca provada, de que Woody abusou da irmã dele, Dylan, filha adotiva do cineasta. Ao saber que Allen estava para publicar um livro de memórias, “Apropos of Nothing” (a propósito de nada), pela Hachette, mesmo grupo editorial que acabara de lançar o seu próprio livro, “Operação Abafa – Predadores Sexuais e a Indústria do Silêncio”, Farrow incitou uma rebelião dentro da editora e cerca de 50 funcionários desta intimaram seus patrões a cancelar o livro de Woody.
Surpreendentemente, foi o que a Hachette fez na sexta última (6). A decisão de vergar-se a pressões e negar voz a quem deveria ter tanto direito de se expressar quanto seu inimigo mancha os 194 anos de existência da Hachette.
O mundo está se fechando para Woody Allen. Não sei se ele ainda pode andar pelas ruas de sua amada Nova York sem ser ofendido por ativistas. Restava-lhe a Europa. Agora, uma instituição francesa lhe fecha as portas.
Só falta Ronan Farrow ir para a porta do Café Carlyle a fim de impedir Woody de tocar. Mas deixe-o tentar –o Carlyle saberá o que fazer.
*Publicado na Folha de S.Paulo