18:27ZÉ DA SILVA

O aquecimento é global, menos aqui em casa. Vi a faixa esticada na frente da casinha de madeira, com lambrequins e tudo mais. O bairro era dos bons, com algumas mansões, mas o bangalô ficava nos fundos de um terreno enorme, havia uma árvore no meio de um gramado e canteiros com rosas junto aos muros laterais. Parei, bati palmas, uma dálmata veio correndo, fiz um carinho na cabeça dela, e logo em seguida apareceu uma senhorinha com vestido colorido. Ela tinha a pele sem uma ruga, os olhos azuis cristalinos e os cabelos brancos presos num coque bem feito. Disse que a ideia foi do marido, morto há alguns anos, e que antes de partir ele pediu para manter o recado. Argumentei que o mundo estava virado na casa do capeta com tantas tragédias climáticas, etc. Ela disse que sabia, acompanhava tudo, lamentava, mas que, por isso mesmo, cada vez mais a frase ganhava mais sentido. Nem precisei perguntar. Completou contando sobre os anos todos que ficaram juntos, que nunca houve uma briga, nunca um duvidou do outro, nunca, nunca, nunca. Aquela casa foi sempre o lugar perfeito para a paz dos dois, que se completavam, se ajudavam. Chorei. Ela disse que compreendia. Voltou pra dentro seguida de perto pelo lindo cachorro. Não passo mais naquela rua. Não leio mais aquela faixa. O aquecimento é global e incendia minha alma.

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