Editorial da Folha de S.Paulo
Falta de transparência mina a credibilidade de acordos de leniência
Empresas atingidas pela Operação Lava Jato deram contribuições decisivas para o esclarecimento dos inúmeros casos de corrupção descobertos nos últimos cinco anos.
As maiores empreiteiras revelaram como se organizaram para fraudar licitações públicas, apontaram políticos e servidores que corromperam e explicaram como o dinheiro sujo chegou até eles.
Acionistas e ex-funcionários dessas empresas também cooperaram, fornecendo informações que os investigadores dificilmente teriam obtido sem sua colaboração.
As empresas não agiram assim por filantropia, mas porque se viram encurraladas pelo avanço da Lava Jato e perceberam que não conseguiriam voltar a fazer negócios com o setor público se não cooperassem com as investigações.
Em troca, obtiveram abatimento nas multas previstas pela legislação e abriram o caminho para voltar a participar de licitações —e se levantar do tombo que levaram após a exposição de seus crimes.
Infelizmente, porém, elas alcançaram esses benefícios em negociações a portas fechadas com as autoridades, conduzidas de forma opaca para a população.
Como esta Folha noticiou, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) decidiram manter sob sigilo documentos cruciais para o entendimento dos acordos que fecharam com empresas investigadas.
Anexos que detalham os fatos relatados pelas empreiteiras e a maneira como se calcularam suas multas foram preservados assim.
Procedimento similar tem sido adotado pelo Ministério Público Federal, que também negociou acordos de leniência com essas pessoas jurídicas, antes do governo.
Como os procuradores da Lava Jato, a AGU e a CGU dizem que precisam manter o segredo para não prejudicar investigações em curso. Mas muitas informações, como os critérios para o cálculo das multas, nada têm a ver com isso.
O sigilo ajuda a proteger os negociadores de críticas, impedindo a comparação dos benefícios obtidos pelas empresas e das concessões feitas para chegar aos acordos.
Também beneficia as empresas, que esticaram por mais de duas décadas os cronogramas de pagamento de suas multas e vêm tentando preservar até mesmo contratos que confessaram ter obtido de maneira fraudulenta.
Os acordos de leniência se revelaram essenciais no combate a malfeitos, mas a falta de transparência mina sua credibilidade. Se o objetivo é mesmo virar a página da corrupção, melhor que empresas e autoridades façam isso às claras.