por Célio Heitor Guimarães
Se o leitor que acompanha estas mal traçadas não sabe, precisa ficar sabendo: como motorista, sou um perigoso meliante. Não poucas vezes, fui flagrado pelos destemidos agentes do trânsito curitibano cometendo irregularidades na direção de meu velho veículo, um Vectra 2010, em excelentes condições para a prática delituosa.
Em variadas oportunidades, fui apanhado circulando a perigosos 43, 44 e até 45 km por hora em via pública onde a velocidade máxima era de 40km… Em outra ocasião, fui autuado porque dirigia segurando um celular, que não possuo, não carrego e simplesmente odeio. Poderia estar segurando qualquer coisa, até uma arma, menos um celular.
Noutra vez, recebi uma multa quando deixava uma agência bancária da Vicente Machado e, para alcançar a rua, precisei passar sobre a calçada de acesso ao banco. Segundo o agente da Setran, eu transitara sobre o passeio público…
Agora, acabo de ser surpreendido com a notificação do cometimento de infração prevista no art. 227, I, do Código de Trânsito Brasileiro, por “usar buzina que não o de toque breve como advertência a pedestre ou condutores”! Quer dizer, em plena Rua Nilo Cairo, às 17h e 28m, tive a audácia de buzinar mais alto do que devia.
O diligente agente municipal, identificado apenas pelo nº 630 e postado no local, ainda que não portasse equipamento aferidor de decibéis, concluiu que eu me atrevera a emitir publicamente ruído superior ao permitido pela lei. Infração leve, mas que me custará R$ 88,38 e três pontos no prontuário de motorista.
Se vou recorrer? E adianta? Para o pessoal da Secretaria Municipal de Trânsito pertenço à malta de infratores de trânsito sem razão, sem justificativa e – o pior – sem fé pública. O recurso, como se sabe, nem será lido. E o recorrente, a par da notificação de imposição de penalidade, receberá a comunicação-padrão de que “a defesa protocolada sob nº …, foi indeferida conforme fundamentação escrita no processo”.
A vítima poderá até valer-se da modernização da Setran e, acessando a internet, ficar sabendo da “fundamentação” contida no processo. Será uma pérola padronizada, que agride de forma lamentável todos os princípios de Direito e de cidadania: “Após a análise ao (sic) auto de infração em questão verificou-se que o mesmo apresenta todos os requisitos necessários para a sua consistência. O requerente não apresenta provas que atestem a veracidade da informação. Portanto, suas alegações são insuficientes para justificar ou comprovar o não cometimento da infração, e uma vez que o agente possui fé pública, sua palavra só poderá ser elidida mediante provas materiais irrefutáveis”.
Eis aí a fé pública. O tal agente poderá ser um incompetente ou um irresponsável ou haver se equivocado ou, ainda, ter agido de má-fé. Mas, como tem fé pública, não há conversa. Já o proprietário de veículo autuado, não tem perdão: tem de provar bem provadinho que não cometeu a infração. E não venha com prova testemunhal porque esta não tem valor para a Setran. Tem que ser prova material, embora o órgão não explique como ela poderá ser feita. Ora, quem deve provar materialmente a prática delituosa é o tal agente público, como ocorre quando o veículo infrator é fotografado. Nos casos narrados, nada disso ocorreu. Mas a palavra do agente prevalece inclusive sobre a verdade, porque, afinal, ele tem fé pública…