por Tabata Amaral*
A renovação política não pode ser apenas uma mudança de nomes
“Você é parente do político…? Ah, não? Então sua família é dona da empresa…? Também não? Você é casada ou solteira? Com certeza foi eleita pelas redes sociais! Só tinha isso de seguidores? Mas como…” Muitas das minhas conversas no plenário começam assim, geralmente com deputados mais velhos. Até já sei a ordem em que as perguntas virão. Com o tempo, percebi que não é uma tentativa de me ofender, mas de entender como alguém como eu veio parar no Congresso. Não sou filha de político, muito menos herdeira e estou longe de ser um fenômeno da internet. Eles não sabem em que caixinha me colocar, ficam perplexos, inclusive quando descobrem o número de votos que obtive.
Minha eleição é resultado de uma trajetória marcada pela educação, anos de trabalho por uma causa e a mobilização de pessoas que viram em minha candidatura um pouco de si —e isso, infelizmente, ainda é pouco comum na política brasileira. Mas essa não é a única situação em que tentam me rotular.
Muitas coisas já foram ditas sobre mim: “A Tabata é comunista”, “Ela não representa a esquerda”, “Ela é de esquerda e mais perigosa porque é moderada”, “Ouvi dizer que fulano doou para a sua campanha, logo, ela é de direita”.
A pergunta sobre ser de esquerda ou direita me acompanha há um bom tempo. Dizer que estes são termos cunhados há mais de 200 anos que, sozinhos, não podem explicar o mundo de hoje, e que me considero progressista nunca é suficiente. Assim, digo simplesmente que sou de centro-esquerda. Mas aí vem logo um “quem se diz de centro-esquerda é porque não quer assumir que é de esquerda, ou de direita” —dependendo do posicionamento ideológico de quem pergunta.
Chego a me questionar se existem de fato progressistas no Brasil. As críticas dos dois lados são tão enfáticas que a tentação de se submeter a um dos rótulos é grande. Mas, para isso, não precisava ter me candidatado. Os rótulos, ou caixinhas, têm representantes eloquentes e seus líderes nos levaram a uma das eleições mais polarizadas e marcadas pelo ódio da história da nossa democracia.
O que é ser progressista, afinal? Para mim, é ser guiado por uma visão humanista mas pragmática do mundo, que comporta a crença de que a desigualdade é a maior mazela do Brasil, o comprometimento com uma educação pública de qualidade para todos e a preocupação com um desenvolvimento econômico sustentável, sem achar que são “pautas de direita” ou “de esquerda”. É acreditar que as melhores políticas públicas são aquelas possíveis de ser implementadas, dialogando com evidências e realidades locais —mesmo quando isso é contrário ao esperado daquele campo ideológico. É unir divergências em busca de soluções.
Nos últimos anos eu me dei conta de que nunca me encaixaria no que esperam de alguém que se formou em Harvard, pela origem na periferia, por ter trabalhado desde muito cedo e por não ter tido o acesso cultural que a maioria dos meus colegas teve na infância. Percebi também que já não sou apenas uma menina da periferia, porque tive oportunidades que quase ninguém ao meu redor teve. Para muitos, isso faz com que eu não pertença a nenhum desses dois mundos. Mas não troco minha identidade com a periferia nem tudo o que aprendi em Harvard por nenhum rótulo nesse mundo.
Da mesma forma que dizer que conheço a desigualdade brasileira em seus dois extremos me define melhor do que qualquer um dos ditos extremos, quero que o ser progressista seja suficiente para uma breve apresentação da minha visão de mundo. A renovação política não pode ser apenas uma mudança de nomes, ela deve ser também renovação de práticas e ideias, para além da polarização. Então, progressistas, uni-vos, porque, como diria o Armandinho das tirinhas e quadrinhos, não estou sozinha, só estamos espalhados.