por Thea Tavares
Minha mãe parou de me mandar tudo, mas tudo mesmo que sem crivo algum ela replicava pelo Whatsapp. Vivo uma certa ou incerta tranquilidade, afinal sei que ela parou de me mandar aqueles absurdos, mas continua inocente ou ingenuamente reproduzindo-os pelas redes. Uma hora, porque a mensagem parece engraçada, ela reencaminha. Outra hora, porque parece curioso o conteúdo ou lhe soa como algo do tipo interessante, envia também. E executa esta ação numa velocidade incompatível com a capacidade da mente humana de assimilar todos os pormenores e entrelinhas do material.
Agora, só recebo as “supostas” unanimidades de aceitação na forma daqueles meiguíssimos webcards de “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite”. Também os de “durma bem”, “seja feliz” e mais toda sorte de purpurinadas e cândidas mensagens que fazem com que minha veia rebelde logo as associe às oncinhas pintadas, zebrinhas listradas e coelhinhos peludos de uma música do Titãs, lançada em meados da década de 80.
Mas, voltando à greve de envio de mensagens, imagens e vídeos por parte de minha mãe, tenho de reconhecer e assumir culpa nesse protesto. Todas as vezes em que ela me enviava essas coisas sem noção, de conteúdo no mínimo questionável – não foi uma e nem foram duas as vezes em que isso aconteceu, mas várias dezenas -, eu gastava todo um verbo, surtava, me descabelava e desancava uma homilia pra cima da pobre mulher. Só sob efeito de remédio para labirintite, quando estava tão grogue e sonolenta a ponto de entoar o hino nacional na versão Vanusa, é que conseguia começar a prosa de reclamações de maneira mais amena: ” – Mãe, veja bem, pensa aqui comigo’… Em 99,99% das vezes, respondia mesmo de supetão, ao ritmo da ebulição acelerada do sangue nas veias.
Começou com um vídeo de uma improvável piadinha inocente, que trazia o desabafo de um carinha que “invejava”, dizia ele, a população de rua. Na opinião desse discípulo do prefeito-cantor Rafael Greca, os moradores de rua não trabalham, não precisam pagar contas, nem impostos… Levariam uma vida supostamente fácil. Quem já viu, vai lembrar. Eu paro aqui a descrição do vídeo porque o estômago revira só com esse resgate de memória. Lá fui eu trollar a veinha: ” – Mãe, a senhora acabou de sair da igreja, rezou, pediu perdão, agradeceu e ouviu sermão; Jesus foi aquele exemplo de humildade e de amor ao próximo, em especial aos mais pobres e necessitados. Como é que não enxerga a maldade e o ódio por trás da mensagem desse vídeo?”.
Disseminar conteúdos como esse pode ajudar a formar uma opinião, inclusive, que motive discriminações, preconceitos, intolerâncias, agressões e que coloque em risco a vida e a integridade das pessoas. É exagero pensar assim? Mataram um índio queimado em Brasília, enquanto ele dormia em uma parada de ônibus. Aqui, em Curitiba, dispararam tiros contra um casal de moradores de rua na Praça do Japão. A mulher de 28 anos, grávida, morreu na hora. O homem, foi resgatado, mas não resistiu e morreu depois. Naturalizar o discurso higienista é muito arriscado! Não tem graça nenhuma.
Minha mais recente reclamação do “zap” da minha mãe veio após uma série de vídeos que ela me enviou, com imagens de idosos se acabando de dançar, de malhar, de fazer acrobacias etc, seguida da constatação de que esses não precisariam se aposentar, pois só estariam cansados é de “trabalhar”. Está aí um tipo de coisa que não agrega em nada também. Só contribui para disseminar a propaganda desse modelo excludente e gerador de miséria, embutido na proposta de Reforma da Previdência que tramita no Congresso Nacional. Proposta, aliás, que é baseada, entre outras coisas, na mentalidade de que temos de trabalhar até morrer. Onde já se viu pobre querer se dar ao luxo de usufruir do direito à aposentadoria “vivendo”?
E lá fui eu mais uma vez: “- Mãe do Céu! Para, respira um segundinho e pensa. Não sai enviando a torto e a direito”. Foi quando ela parou. Parou de encaminhar para mim essas tranqueiras. Desisti. Larguei os bets. Teve um tempo em que manifestei um grito de socorro e postei no meu Facebook o seguinte apelo: “Procura-se, quem dê sumiço no Whatsapp da minha mãe. Paga-se bem!”, tamanho era o desespero!
Só sei que a veinha foi logo vingada pela neta, que chegou pra mim, dias depois, armada com uma baita ladainha e cagação de regras sobre o meu comportamento nas redes sociais. “- Mãe, para de fazer política pelo seu Instagram, coloca outras coisas”. Eu questionei: ” – Uai, coloco o quê?”. “- Posta fotos, vídeos de coisas mais leves, de momentos bacanas, que te fazem bem, de quando você está em casa ou mesmo fora, de lazer, diversão, prato de comida… Coisas que você gosta!”. Sem querer entrar numa discussão interminável sobre minha visão da importância da política na vida da gente, de compromisso e de responsabilidade social, além da crença e do significado e blá-blá-blá-blá, me dispus a mudar. Chega uma hora em que a gente para de mandar nos filhos e até se orgulha deles mandarem na gente, se importarem.
Não demorou muito pra surgir outra reclamação, em caixa alta: ” – MÃE, O INSTAGRAM É SEU OU DO CACHORRO?!”. Agora, deu! #Partiu. Aprendi que tenho de ser mais tolerante com o zap e as piadinhas infames da “vó”. Entendi que esse lance do “aqui se faz, aqui se paga” funciona mesmo!