por Fernando Muniz
O capitão abre a gaveta da escrivaninha e empunha a pistola. Verifica o pente, depois o cano e, por fim, a trava. Tomara que, ao usar, não falhe. Porque não existe segunda chance quando se está no mar.
Em sua balança, dois tripulantes; de um lado o imediato, irascível e seu inimigo declarado, e, do outro, o chefe de máquinas, dado a intrigas e meias verdades, que diz ser seu aliado. Sente que consegue controlar um deles e seus instintos negativos; os dois a provocar divisões entre os tripulantes, ao mesmo tempo, trarão caos ao navio.
Sai da cabine e ensaia uma ronda. Sabe que a situação precisa ser resolvida. Já. Assim que o navio zarpa todos passam a depender uns dos outros, não importa o posto que ocupem. Têm que almoçar juntos, jantar juntos, enfrentar as marés e o mau tempo juntos. A vida de confinamento e intempéries os ensinou que a desventura ou o desregramento de um pode se tornar a sentença de todos. O mar, implacável, não perdoa os fracos de cabeça ou de espírito.
Seria fácil jogar um dos insurretos pela amurada, de surpresa, sem que ninguém visse – bastaria um empurrão e pronto. Mas qual deles? O que declara odiá-lo ou quem diz respeitar seu comando? E a execução precisa ser às claras; se a tripulação, inclusive o poupado, não entender que o fim de um é para o bem de todos, para que possam chegar ao destino, o risco de um motim é enorme.
O capitão checa a pistola de novo. É hora de ser forte e dar fim ao impasse, de gerar certezas, de sair da escuridão. E retoma a sua ronda.
Rumo à casa das máquinas.