por Paulo Vinícius Coelho
Segundo um treinador, o esporte está separado entre os bêbados que resolvem e os que atrapalham
A maior contribuição de um técnico estrangeiro, do patamar de JorgeSampaoli, é tática. Mas seu primeiro puxão de orelhas foi disciplinar. Na volta das férias, espantou-se com os jogadores acima do peso. Se estavam liberados para o descanso regulamentar, em tese poderiam extrapolar. Sampaoli não pensa assim. Nem deveria.
Porque, para que sua maior contribuição seja tática, é preciso ter o elenco em boa forma física desde o primeiro dia de treinos. Se for diferente, haverá desperdício de tempo.
O episódio de Sampaoli com os gordinhos santistas é a ponta de um problema tratado cada vez mais internamente, mas que pouca gente tem coragem de colocar o dedo na ferida. Há duas semanas, numa conversa telefônica, o dirigente de um grande clube afirmou a este colunista que todo grande jogador brasileiro bebe muito.
Um treinador do alto escalão avalizou. Ele disse que essa é só metade da história e que o futebol está separado em dois grupos: os bêbados que resolvem e os que atrapalham.
O livro “Football, Blood Hell”, biografia não autorizada de AlexFerguson, conta que o treinador escocês espantou-se ao chegar ao Manchester United, em 1986. Encontrou alcoólatras, como Bryan Robson. Seu sucesso tardou até a final da Copa da Inglaterra de 1990, seu primeiro título inglês só veio em 1993 e seu melhor time tinha um grupo de jovens formados em Manchester, com cultura profissional desde a formação.
Doutor Sócrates foi um gênio e sempre fumou seu cigarro e tomou sua cerveja. Foi um gênio. A preocupação é com o desperdício dos que não são geniais, mas podem virar craques. Não há no mundo país que desperdice tantos talentos quanto o Brasil. O último exemplo é Luan, do Grêmio. Nesse caso, não se fala de álcool.
Craque da América do Sul em 2017, acaba de ser envolvido em troca pelo Grêmio com o Cruzeiro, que só não aconteceu porque o jogador se recusou a sair para o mercado brasileiro —seria desvalorizado em uma troca por Thiago Neves. Aos 25 anos, a impressão é que Renato Gaúcho desistiu dele. O mercado europeu desistiu faz tempo… Por quê?
Informação ainda é a coisa mais moderna que existe. No futebol, circula rapidamente. O dirigente da Rússia sabe o que se passa na noite de Porto Alegre, Buenos Aires, Montevidéu, São Paulo. A cervejinha é perdoada. Na Alemanha, é quase diária. O problema é o abuso.
Fala-se, no vestiário de um grande clube paulista sobre um meio-campista que deixou o Brasil no ano passado, que ele parou de jogar de área a área quando aumentou as doses de uísque.
O colunista se desculpa por citar histórias sem nomes, mas o contexto parece importante em um problema relatado por fontes diferentes com personagens distintos. Se um meia não joga de área a área, como na Europa, pode ser porque perde condição física. O time perde intensidade, a estratégia some. O antídoto é acabar com o paternalismo.
Futebol de alto nível é o corpo. Sampaoli montou o Santos em seu primeiro amistoso, contra o Corinthians, num 3-4-3 (veja abaixo). Para ser ousado taticamente, vai precisar de jogadores fisicamente aptos. Se estiverem gordinhos, por comer ou beber em excesso, não vai rolar.
Publicado na Folha de S.Paulo