18:37Poeta morto

por Mário Montanha Teixeira Filho 

Lembro-me de ter assassinado, numa tarde fria de 1978, o poeta que me atormentava com palavras românticas e sonhos incorrigíveis. O poeta e sua obsessão por transformar tudo, corrigir tudo, destruir tudo, o poeta era apenas uma criança a repetir ideias velhas de aparência bela e justa. Não sei o que foi feito daquele personagem confuso. Sei que o cadáver do poeta que fui não me pertence mais. Talvez tenha sido implacavelmente soterrado pela tonelada de letras e rascunhos cujo teor somente eu, na profundeza da minha intimidade, seria capaz de desvendar. Talvez tenha estado comigo durante algum tempo mais, amaldiçoando meus passos.

O certo é que, aos poucos, a figura sombria do poeta perdeu forma, ficou longe. Segui sem ele, com a formidável sensação de liberdade. Joguei fora as roupas que me apertavam e me vesti de mim mesmo. Assim, confortável e com a certeza de que os dias ganhariam brilho e vigor, retomei as palavras, despejei-as em outras folhas, aos milhares, aos milhões, aflito para dizer ao mundo o que o mundo talvez precisasse ouvir (não tardei a perceber que o mundo estava surdo, que eu era pequeno demais e que a minha intimidade continuava absoluta, adormecida no pântano da solidão).

Por que, afinal, me vem o poeta de 1978? Pelo que me consta, a sua eliminação súbita não me constrangeu, não me emocionou. Quando deixei o seu corpo lá, no dia fatídico de quase chuva, meu coração estava gelado como o vento que derrubava folhas das árvores e agitava as águas do lago que se exibia aos meus olhos sem lágrimas. Pode ser que a baixa temperatura de agora queira levantar um fantasma, como a dizer que a vida seria diferente se o poeta de 1978 não sucumbisse ao meu impulso avassalador. Na verdade, suposições assim não interessam. O poeta de 1978 era, e sempre foi, o não-ser. Nunca existiu. Minha vontade não determinou o seu destino trágico.

Eu não matei o poeta de 1978. O que me cabe, e isso eu não tenho como negar, é outra culpa. A culpa de aprisionar frases, desperdiçar frases, dilapidar frases, repetir frases. Minha vítima, a grande vítima de mim, foi o deserto. Senhores, eu matei o vazio do deserto que acolheu os meus gritos!

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