10:09Benedito

de Dalton Trevisan

Benedito arrasta os pés de tanto correr estrada e pular arame farpado. Dá boa noite à mulher, com a panela no fogo. Entre gemidos, senta diante da gamela para lavar os pés.

Esfrega nos dedos as manchas secas de sangue e enxuga num trapo qualquer. Sempre ao alcance da mão a gasta mochila preta com seu tesouro (bolacha de mel, punhalzinho, boneca de pano, pedaço de corda, pião, santinho colorido, o que mais?).

No fogo espirram fagulhas e abrasam o carão da bruxa que revolve na panela fervente a longa colher de pau. Benedito ajeita o cabelo grisalho, cada dia mais ralo. Bate o pó no macacão sujo. Os braços arranhados pelas pequeninas unhas ferozes. Dos espinhos no mato, diz ele.

A mulher resmunga, ele coça no toco de mindinho o bigode. Quer saber dos netos. Ri, contente.

Conta que buscou debalde no campo a erva da benzedeira. Errando pela estrada, bebeu água num córrego, andou com duas crianças no caminho da escola.

A voz baixa e mansa, espiando o clarão vermelho nas rugas da velha, que prova o caldo na colher. Sente-se o avô de todas as meninas, também ele brinca de roda-cutia. Elas com um laço da corda no pescocinho magro, cada vez mais apertado…

Acomoda-se em silêncio no banquinho. A mulher enche o prato de sopa, Benedito chupa com ruído a colher, de tanto gozo o caldo de feijão escorre pelo queixo. Pronto a velha estende a mão briguenta: quer dinheiro.
Benedito baixa os olhos. Gastou com a bala de hortelã pra uma negrinha. A megera se ergue, braço trêmulo, praguejante:

– Seu cachorro, traste duma figa, vagabundo da peste!

Ela se abanca e, a uma chispa do fogo, vê que Benedito chora, a colher de sopa esfriando no ar.

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