de Ticiana Vasconcelos Silva
Quando era criança, ela tinha medo de tudo. Até de borboletas. Mas subia um grande pinheiro da casa da vizinha até o topo. A mãe ficava louca. Nesse local havia um campo de futebol onde eles brincavam. Um dia, ela resolveu pular o portão para brincar lá. Sua intuição disse para não pular, mas ela não a ouviu e caiu de cara no chão. Ainda bem que não era concreto. Era grama. Perdeu um pouco a memória, machucou o nariz, mas nunca se esqueceu deste episódio. Em sua casa, ela sempre via espíritos, ainda mais quando estava perto de pessoas mais sensíveis como a sua tia. Também tinha medo disso e fugia para a casa da vizinha. Brincava na rua, até que encontrou o primeiro amor. Devia ter uns 6 ou 7 anos. Eles se gostavam. No aniversário dele, ele deu o primeiro pedaço de bolo para ela. Encantou-se. Mas havia uma outra garota. Fresca. O que ela nunca foi. Resolveu então esquecer o menino. Ele foi atrás dela, mas ela, orgulhosa, não quis mais saber do namoro de infância. Havia também um vizinha com quem ela brincava de luta. Sempre soube que era mais forte, mas deixava a sua amiga vencer. Era só uma brincadeira. No fundo, elas se gostavam. Foi o primeiro beijo dela. Quando criança mesmo. Depois elas brigaram e nunca mais se viram, pois a família se mudou daquele bairro. O endereço era rua Terra Rica, 771. Inesquecível. Na casa do pai, brincava com seus irmãos de aventura. Eram explorações nos terrenos atrás desta casa. Amava isso. Amava os irmãos. Apertavam a campainha do vizinho rico à noite e saiam correndo. Passavam trotes para vários números, até que um dia identificaram a chamada e ligaram para pedir satisfações. No colégio, foi sempre CDF. Era sempre uma das primeiras da sala. Ganhava menções honrosas pelas notas. Ganhou um campeonato de tabuada. Amava estudar. Sofreu bullying durante muito tempo. Por causa do corpo. Era muito magra. E os “amigos” não tinham dó. A fizeram sofrer. Mas ela nunca revidou. Sempre seguiu em frente e deixou isso para trás. Sempre gostou dos meninos mais bonitos. Virava amiga deles e sempre ajudava as amigas a ficarem com os garotos que ela mesma gostava. Escrevia cartas de amor para eles. Até que enfim encontrou o primeiro grande amor. Era exatamente como ela imaginava. Loiro, olhos azuis, inteligente, estudioso, sensível, amoroso, amigo. Surfava e se formou em Engenharia Mecânica. Eles se casaram, mas brigavam muito. Se separaram. 13 anos depois ela pediu perdão pelas merdas que fez quando estavam juntos. Ele já a havia perdoado. Ela jogou as alianças no mar na tentiva de esquecer o passado. Não esqueceu. Teve um amor transcendental também. Ele tocava em festas de música eletrônica. Ela gosta de Techno. Ele de Psy. Ficaram juntos por um tempo. Não como namorados, mas casualmente. Brigaram. Ele não a perdoou. Casou. Voltou para a cidade natal. Conheceu também um estrangeiro. Da Finlândia. Loiro, olhos azuis, artista. Se deram bem. Mas eles moram muito longe. Não deu certo na profissão. Escolheu por gosto, não por vocação. Fez o mapa astral e descobriu o que ela sempre soube. Diplomacia e Psicologia. Fez Psicologia. Teve medo de mudar de área, mas ainda há tempo. Ela ainda escreve a sua história de vida. Assim como todos nós.
Existe algo mais agradável e surpreendente que ler um texto desta categoria? Ali está contidfa uma mágica no escrever, um, contar, de forma simples, a história aparentemente banal, mas que nos faz pensar nas idas e vindas da Vida como tal. O relato – que nada mais é que a maré cheia contrstando com a maré baixa, ou seja, o movimento de quem convive com esses momentos – é lúdico, muito bonito, comovente até! Não importam nomes, citações ou congêneres. O que importa é termos, diante do ler o que está aí, um viajar no tempo, um redescobrir de nós mesmos. Não conheço a autora, mas, cá pra nós, com tanta sensibilidade, como não ser comovente? O obrigado de um jornalista que há 50 anos está buscando, diariamente, o fascínio de novas e instigantes leituras. O que, sem dúvida, adoça ainda mais o fim de semana, em meio ao deserto de ideias. Parabéns, Ticiana.