por Clovis Rossi
A parte brasileira em pesquisa global sobre direitos humanos ilumina uma possível razão para o fato de Jair Bolsonaro ser um dos líderes nas pesquisas para a eleição presidencial, quando Luiz Inácio Lula da Silva não aparece.
É simples: direitos humanos, tema pelo qual Bolsonaro tem demonstrado desprezo ou, no mínimo, uma visão equivocada, também não sensibilizam a maioria dos brasileiros.
Seis em cada dez brasileiros entrevistados concordam com a frase “os direitos humanos apenas beneficiam pessoas que não os merecem, como criminosos e terroristas”. Porcentagem ainda mais expressiva (74%) acha que algumas pessoas tiram vantagem injusta sobre direitos humanos.
É a tradução de uma crítica ouvida com frequência por defensores dos direitos humanos: parte do público acha que os “direitos humanos defendidos são os dos bandidos”. Ou variações do mesmo estilo. Que significativa maioria dos brasileiros concorde com ela ajuda a entender como cola a pregação de Bolsonaro, que costuma dizer a mesma coisacom outras palavras.
São resultados apurados em pesquisa da Ipsos, empresa independente global na área de pesquisa de mercado presente em 89 países.
O levantamento foi feito entre os dias 25 de maio e 8 de junho, em 28 países, com 23,2 mil entrevistados.
O percentual de brasileiros que concordam com a ideia de que direitos humanos beneficiam quem não merece é muito superior à média global, que não passa de 37%.
Rupak Patitunda, gerente de opinião pública na Ipsos, relativiza o ceticismo dos brasileiros com os direitos humanos. “Não vem —diz ele— da percepção da falta da necessidades desses direitos, mas do emprego que se faz deles.”
Ou, posto de outra forma, para importante fatia de brasileiros, o cuidado com os direitos humanos atende apenas a uma parcela da população, “não contribuindo ao equilíbrio entre justiça e dignidade humana esperada na aplicação de tais direitos”, completa Rupak Patitunda.
Ressalva que não encaixa bem com outro item da pesquisa: a porcentagem de brasileiros que concordam com a frase “os direitos humanos são importantes para criar uma sociedade mais justa” fica abaixo da média mundial de 72%. São apenas 60%.
É razoável supor que Bolsonaro caça votos nos 40% restantes. Se é assim, atacá-lo pela apologia da ditadura e da tortura tende a não ter muito efeito entre esse eleitorado potencial, suficiente de resto para levá-lo eventualmente ao segundo turno.
*Publicado na Folha de S.Paulo