6:28A Marcha de Roth

por Yuri Vasconcelos Silva
 

Também nunca me fora revelada a pequena tatuagem azul… Um pequeno símbolo, se fosse necessário, de todas as milhões de circunstâncias da vida daquele outro indivíduo, daquela enxurrada de detalhes que constituem a confusão de uma biografia humana – um pequenino símbolo que chamava minha atenção  para o motivo pelo qual nossa compreensão das pessoas é sempre, na melhor das hipóteses, ligeiramente equivocada.*  Este trecho me capturou. Fechei o livro e senti a contraditória sensação de invejar e regozijar pelo outro. Sequestrado por Philip Roth, não imaginava que iria acompanhá-lo em direção ao fosso secreto da condição humana. Ficção, dizem. Mas sabemos o que carregamos. Temos segredos e vergonha deles. Mas estão lá, cutucando, lembrando que a matéria prima da humanidade é feito daquilo que se tenta negar. Ternos, botinas brilhantes, carro, uma bela casa e um trabalho. Fotografias e sorrisos. O sonho mediano no ocidente. Aquela marca, porém, nunca cessará. Não se sabe quando ou onde surgiu, mas apenas nós, homens e mulheres, lutam contra. É tão exaustivo e inútil. O que Roth ilumina dentro desta escuridão permanente? O sexo. Em infinita criatividade de expressão, brota como um impulso incontrolável, inunda pensamentos e controla o corpo. Tão forte e inescapável. A culpa. Este observador paralelo que grita: pervertido. Estas duas forças antagônicas torcem os personagens de Roth, transmutando-os em trapos humanos. A finitude. O medo do processo de morrer. Não apenas da morte. Pavor do processo de decadência. Testemunhar a própria falência como existência física. O medo do passado que se agiganta como um monstro a te apontar as garras, justo quando se está mais fraco. Sexo, culpa e o fim. Batidas fortes de uma marcha constante que produzem, talvez, o pior ou o melhor. No entanto, quem tem coragem de confessá-los? 

* trecho extraído de “A Marca Humana”, de Philip Roth.

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