por Fernando Muniz
“Por que tanto falatório? Que inferno!” O carrasco abre a gola da camisa e se põe a afiar o machado, sem proteção contra o sol, indiferente à multidão que lota a praça, animada com as execuções do dia.
O condenado escuta a praga, mas não reage. Está fora do mundo. Recusa-se a acompanhar o movimento ao redor, a cerimônia de bênçãos e rezas, à leitura da condenação pelo juiz e outras formalidades.
“Alguma coisa a dizer em seu favor”? O juiz aguarda o pedido de perdão, magnânimo, porém despido de misericórdia. Mas o condenado não se ajoelha. Foi derrotado, não vencido. Estufa o peito com o ar dos justos e busca na multidão algum sinal de empatia. Nada. As pessoas se abanam, impacientes.
O carrasco olha para o céu, sem nuvens e solta um suspiro, de fastio por mais um imbecil e suas fantasias. Alguém desmaia de calor. A turba solta urros, embalada pela cerveja de graça, que acaba. Chutes e socos pipocam praça afora.
Ele não espera o sinal do juiz e desce o machado. Melhor começar a diversão, antes que derrubem o patíbulo. Ao buscar a cabeça no cesto nota o sangue escorrer por um buraco; dá dois passos para trás. Não quer sujar as botas, lustradas para a ocasião.
O juiz prepara a leitura da próxima sentença. Mais um imbecil, mesmo veredito e aquele sol, alheio aos homens.
Inclemente.