8:36Instabilidade geopolítica deixa o mundo mais interessante

por Luis Felipe Pondé

O mundo está mais interessante. Alguns dizem que adentramos uma era de instabilidade geopolítica. Verdade. Por isso o mundo está mais interessante. Sei também que você pode achar essa afirmação espantosa e, quem sabe, até estranha.

Há uma contradição intrínseca a muitas profissões. Quando falamos de jornalismo e pensamento público, uma contradição inerente é o fato de que a grande maioria desse universo de pessoas sonha com um mundo melhor e vê sua atividade como um “sacerdócio” em favor dessa missão (não é o meu caso: não quero salvar mundo nenhum, quero, talvez, quem sabe, entendê-lo um pouco melhor).

A contradição nasce do fato de que quanto mais o mundo agoniza, melhor é para esse mercado de trabalho. Obama foi “boring” na sua contínua afirmação de melosa bondade, reforçando a autoimagem de que somos gente bacana.

Que, por sua vez, entram no mercado com a mesma melosa autoimagem de virgens a salvar o mundo, mas que dependerão de figuras como Trump e Putin para terem o que fazer na vida profissional.

Eu sei: o mundo é contraditório, mas, para gente que achou que todo o problema do mundo era a questão “trans” nos banheiros dos shoppings, deve ser mesmo uma agonia encarar o mundo como ele é.

E, mais do que interessante, o mundo está voltando ao normal. Instável, criativo, agressivo, exigente, implacável. Desde o final da Guerra Fria, na virada dos anos 1980 para os 1990, o mundo parecia acreditar que iríamos marchar para um parque temático que unisse direitos civis e humanos a shoppings com variedades veganas de amor aos animais.

No meio dessa ponte de perfeição, seres humanos cada vez mais honestos, altruístas e desapegados de bens materiais. Como se as próprias paixões pudessem ser refundadas a partir do seu perfil do Facebook cheio de gratidão.

Dito de modo “acadêmico”, a história estaria definida pela parceria crescente entre sociedade de mercado e democracia liberal, com tons sociais. Ledo engano.

Para fins didáticos e ilustrativos apenas: a Europa, palco de grandes conflitos que impactaram o mundo há séculos, não teve paz de 1789 a 1989 (fiquemos com números redondos pra facilitar a conversa).

Aliás, Karl Marx (1818-1883) viveu no meio desse rolo no século 19, por isso ele acreditava que o “mundo burguês estava condenado”.

Desde 1989, com a queda dos regimes marxistas totalitários do Leste Europeu, até “ontem”, o mundo desfilava suas belas almas evoluídas. Ainda desfilam, mas agora a tendência é parecerem zumbis ansiosos por sugarem o sangue de alguém bom.

A Rússia, que sempre teve vocação imperial na região, superpotência desde, no mínimo, o final do século 18 (a mesma Rússia que muita gente boa acha que só foi agressiva geopoliticamente no período soviético), volta a desempenhar seu “natural” protagonismo, resgatando, para muitos, o velho conceito de Guerra Fria.

O protagonismo russo tende a aumentar. O Estado russo pode ser muito mais ágil do que o americano.

A China cria um novo polo de instabilidade, a ponto de engolir a liderança econômica mundial. Regime autoritário, pode “provar” que a democracia não é necessária para o enriquecimento da população. E essas mesmas belas almas podem, um dia, acordar pensando que a democracia, afinal, só é boa para os maus, que querem destruir os que fazem o mundo “melhor” e igual.

Os próximos anos deverão ser cada vez mais tomados por instabilidades geopolíticas associadas às tecnologias da informação, às mídias sociais e à inteligência artificial. Guerras “algorítmicas” ocorrerão. E isso deixará o jornalismo cheio de tesão pela vida.

E o Brasil nisso? Merece uma coluna especial. O Brasil, também, está cada vez mais interessante. Espero poder fazer parte desse processo cheio de adrenalina, responsabilidade e espanto. As belas almas derreterão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.