20:21ZÉ DA SILVA

Fazia minha intervenção toda madrugada do sábado depois que o jornal começava a rodar. Entrava num botecão da avenida São João com alguns companheiros de martírio – e as cervejas vinham flutuando para encher os copos americanos. Um dia esqueci a carteira embaixo do balcão. Foi na mesma ocasião em que um amigo novo na turma nos convidou para experimentar um fedido na pensão onde morava. Ele dizia que era uma pancada. Era. Antes de passar mal, como se estivesse numa viagem sem volta, tinha visto um fauno pegando à força uma freira num desenho excepcional de Alain Voss. Ela chorava. Eu comecei a me apavorarem seguida lá no fundo do quintal escuro daquele casarão velho da Rua Augusta. Tinha ânsia de vômito e não vinha nada. Me deram um litro de leite. Bebi e me sujei todo. Saí dali aliviado para pegar o “navio negreiro”, ônibus que saía do Parque Dom Pedro para a vila, na Zona Leste. Me dei conta então da carteira desaparecida. Expliquei para o cobrador. Ele fingiu que entendeu. Nunca mais fiz intervenção em Sampa. Mesmo porque entre os documentos tinha ido embora um de oficial militar da reserva – e ele tinha me livrado de muitas enrascadas das brabas. Há muito tempo a água é minha bebida. Por isso acho que o candidato a presidente entrou numa bad trip lá atrás e continuou na intervenção. Com documento – e sem ser internado.

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