por Fernando Muniz
Hora de levantar a porta de aço e recolher a mercadoria espalhada pelos corredores.
“Você viu onde está o barbante? Quero amarrar as vassouras” – pergunta ao marido. Silêncio.
A frente da loja, com sacos plásticos vazios, papéis velhos e restos de comida, dá desânimo. Ela se lembra dos filhos, escondidos no andar de cima. Será que já comeram? Coloca um lenço na cabeça, ergue a saia até a altura dos joelhos e começa a limpeza. O sol se põe.
“Quem sabe eles podem ajudar… Você não quer chamar as crianças?” – e o homem, nada. Ela range os dentes.
Precisam se virar, porque os lixeiros não passam faz dias e ninguém sabe quando voltam. Nem os bombeiros ou policiais, apesar dos tiroteios e incêndios, aqui e ali.
Enxuga testa; pensa que já é hora de sair de casa, de a vida continuar. Onde estão os clientes? Daqui a pouco o dinheiro acaba.
“Sobrou alguma coisa? Os cheques, pelo menos?” – dá um longo suspiro e ele ali, atrás da caixa registradora, largado em uma cadeira, escondido no breu da noite.
Termina a limpeza. O chão parece de hospital, tão limpo que está. As gôndolas, em ordem. Se a luz voltasse ela poderia, até, inventariar o estoque.
Resta só tirar o marido dali. Com um tiro na testa. Começando a cheirar mal.