Por Ivan Schmidt
O governo Temer ainda não conseguiu resolver o impasse da nomeação da deputada Cristiane Brasil (PTB) para o Ministério do Trabalho, apesar das inúmeras tentativas de dar posse à nova ministra embargadas pelo Judiciário.
Não seria o caso do presidente Temer agradecer a disposição da deputada e de seu pai, o ex-deputado Roberto Jefferson (donatário e presidente do atual PTB), optando por outro nome do partido – ou de outro partido da base — para preencher o lugar vago na Esplanada?
Tem valido a pena o desgaste do governo, que se debate por semanas a fio sem poder escalar o novo integrante dessa colcha de retalhos em que se transformou o ministério propriamente dito, em face da captura dos partidos e a utilitária barganha de votos que sustentam o chamado governo de coalizão?
A última “contribuição” da própria deputada Cristiane Brasil no imbróglio que se arrastou pelo primeiro mês do ano, veio na forma de um vídeo postado nas redes sociais, no qual em meio a um grupo de másculos varões dos quais nada se apurou até agora, provavelmente a bordo de uma lancha ou iate, jura pateticamente que é inocente nos processos movidos na Justiça do Trabalho do Estado do Rio de Janeiro, por falta de pagamento do salário de dois motoristas particulares sem carteira assinada.
O discurso canhestro da candidata a ministra do Trabalho, além da desculpa esfarrapada que usou, amesquinham não apenas a Justiça do Trabalho, mas o próprio ministério que viria a chefiar, tendo em vista que estrutura tão importante da composição governamental exige um dirigente a altura do que espera a nação, que não parece ser a deputada, e não mero oportunista ali colocado para garantir os votos da legenda no Congresso Nacional, sobretudo na até aqui melancólica disputa que o governo trava como os descontentes da própria base e da oposição, pela aprovação da Reforma da Previdência.
Dia desses um analista da atual conjuntura política brasileira acertou em cheio ao lembrar que caso fosse empossada hoje, a ministra permaneceria no exercício do cargo pouco mais de 60 dias, pois já anunciou a pretensão de disputar novo mandato na Câmara dos Deputados.
Qual seria, portanto, a razão dessa transitoriedade de dois meses, a não ser os 16 votos do PTB na aprovação da reforma?
O interesse do governo na implantação de uma política séria e modernizante para o setor do trabalho, que simplesmente inexiste ou derrapa há décadas, diante dessa renitência do presidente da República vai simplesmente para o lixo, onde já estão tantas outras atividades importantes que o governo prefere utilizar como suculenta isca para atrair um esfomeado magote de partidos políticos representados no Parlamento.
Na verdade, é uma quadra medíocre que está sendo protagonizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fundado em 1945 por Getúlio Vargas, com o objetivo claro de consolidar um partido de massas por meio da doutrina trabalhista e de instituições simbólicas dessa corrente da expressão ideológica, como o Ministério do Trabalho e a Justiça Trabalhista, além das facilidades garantidas à organização sindical.
Em matéria publicada nessa quarta-feira (31) pela BBC Brasil, estudiosos consultados afirmaram que os últimos episódios nos quais o PTB se envolveu, a partir “do posicionamento do partido em pautas como a reforma trabalhista mostram que do ‘trabalhismo’, o PTB atual só mantém o nome”.
A historiadora Angela de Castro Gomes, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Federal do Estado do Rio (Unirio), não teve pejo ao afirmar de que sua perspectiva o PTB não existe mais: “Existe a sigla, mas não o seu sentido original. O partido deu recentemente provas inequívocas do seu descompromisso com essa tradição política. […] Os mais importantes líderes do PTB estariam se revolvendo no túmulo ao olharem para o partido atualmente”.
O contraponto veio em nota distribuída pela assessoria de imprensa do partido, na qual se afirma que a sigla “mais que nunca” defende os direitos dos trabalhadores na política.
A nota acrescenta que “o PTB luta pelos trabalhadores sem voz e que pagam a conta da deformação das relações de trabalho”, colocando-se como o último refúgio dos varões de Plutarco ao verberar que “o PTB foi e é um partido reformista e de vanguarda, está à frente de seu tempo, entende as aspirações da classe trabalhadora, da classe média urbana e do mundo rural”.
De certa forma se reconhece o fato que entre 1945 e 1964 o PTB esteve na linha de frente das questões trabalhistas e sindicais – defendendo os interesses imediatos de seus integrantes – e figurando como o principal partido de esquerda no país.
Com o suicídio de Vargas em 1954, segundo Mariana Alvim, que assina o texto da BBC Brasil, “o partido se vê diante de um esforço de renovação e competição internas, mas ao longo da década seguinte conquista significativos ganhos eleitorais. O petebista João Goulart, que assume a presidência em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros (à época presidente e vice eram eleitos em pleitos separados) dá continuidade ao projeto trabalhista herdado de Vargas”.
Como as demais siglas partidárias, o PTB foi dissolvido em 1965, pelo Ato Institucional nº 2, na primeira fase da ditadura então exercida pelo marechal Castello Branco.
Com a abertura política das décadas de 70 e 80, o PTB foi alvo de uma disputa judicial por sua titularidade, envolvendo Ivete Vargas (sobrinha de Getúlio) e Leonel Brizola (ex-governador do Rio Grande do Sul e deputado federal pela Guanabara), expoente da ala mais à esquerda do partido. Em 1980, de acordo com decisão da Justiça Eleitoral o PTB é entregue a Ivete Vargas, ao passo que Brizola rapidamente promove a fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT).
O cientista político José Trajano Sento-Sé, também citado no ensaio, lembra que Brizola era identificado pelos trabalhistas históricos como herdeiro legítimo do PTB, enquanto Ivete era tributária dos setores conservadores do partido, além do livre trânsito com os militares.
Diz o cientista que “o processo de redemocratização foi controlado pelas elites vinculadas aos militares de forma que o poder não escapasse dessas mãos. O trabalhismo era o grande fantasma e tinha um nome singular que assustava especialmente: o de Brizola”, a quem o poder militar abominava e tratava de neutralizar. Foi assim que o PTB foi parar nas mãos da sobrinha do antigo ditador.
Há quem sustente a tese não fantasiosa de que os militares no poder também concederam um “apoio não declarado” à formação do Partido dos Trabalhadores (PT), fazendo vistas grossas à evolução política de Lula, então líder metalúrgico no ABC paulista.
A única exceção foi a prisão temporária no DOPS paulista comandado pelo então delegado Romeu Tuma, mais tarde senador, embora revelações posteriores dessem conta do papel dúbio exercido pelo metalúrgico, que atuava como informante da polícia sobre a movimentação de seus companheiros no movimento sindical.
Voltando ao PTB, parte da base partidária do governo Temer, a ele credita-se o mais repulsivo episódio da crônica de costumes políticos nesse início de ano, atingindo gravemente o presidente Temer, cujo extremo desgaste junto à opinião pública dificilmente será superado.