O cara era tão idiota que me deu o tiro e saiu correndo. Tinha me amarrado no poste depois que vacilei na tentativa de dar uma prensa e levar o que ele tinha de valor no corpo. O relógio, pelo que vi, já daria para alguns dias cheirando farinha e tomando cerveja. Bobão, mauricinho, mas com certeza treinava jiu-jitsu, que virou moda entre os jovens e os nem tanto, mas ricos. Ele me deu um soco no olho e me apagou com uma gravata, que eles chamam de mata-leão. Acordei na árvore, amarrado. Ouvi a conversa dele. Deu para perceber que ele pediu orientação a um rato pelo celular. Desligou, se afastou um pouco, apontou a Walter PPK que sempre esteve na mão canhota – e atirou. Lembro do clarão, mais nada. Acordei na enfermaria de um hospital de pobre. Tinha mais dez gemendo naquela porra. O tiro varou meu corpo sem quebrar osso ou destruir órgão vital. Era o quarto que eu levava na minha vida bandida. Fugi assim que tive condições de andar. Sabia para onde ir depois de me recuperar. Agora estou aqui, dentro da casa do panaca. Ele, a mulher e os dois filhos sob a mira do meu querido Colt Clint Eastwood Phyton 45 – a melhor peça que roubei daquele bacana que colecionava armas que via em filmes. Ele já fez todos os pedidos possíveis para livrar a cara da família e a dele também. Ofereceu grana. Eu não respondi nada. Me deu prazer sentir o cheiro do cagão quando sentiu que a hora dele tinha chegado. Antes de cumprir a promessa que fiz a mim mesmo, eu disse que ia começar matando os filhos. Foi que ele chorou como bebê abandonado na sarjeta, peidou, mijou, vomitou e defecou – tudo ao mesmo tempo. Não estava amarrado e não tentou dar uma de herói, como no encontro anterior. Dei-lhe um teco no meio da testa. O rombo que abriu na nuca fez pedaços do cérebro grudarem na toalha branca que cobria uma mesa da sala de jantar. Mandei a mulher dele procurar outro marido e disse para os filhos que o pai era idiota demais. Saí e fiquei pensando no caminho, enquanto dirigia o carrão do defunto, porque ele não verificou se naquele dia tinha me apagado ou não. Nem o rato amigo dele foi consultado, acredito. Esses policiais são piores que bandidos e descobrem tudo, quando querem. Liguei a seta para a esquerda e pisei fundo para engolir rápido aquela estrada cinza. Vacilão era aquele cara. Eu, não.
*Texto inspirado em “O Espírito do Tempo”, de Fernando Muniz, publicado abaixo