Havia um vidro e uma paisagem do lado de fora. Sentei no cantinho, para olhar o mar e esquecer o mundo. Então ela entrou no restaurante vazio e se acomodou na mesa em frente – de costas pra mim. Negra. Cabelo esticado ou peruca. Cílios postiços que notei quando também olhava para fora do prédio. Pediu vinho branco. Esqueci as ondas morrendo na areia. Falou como o garçom. Em inglês. Entendi que era de Nova York. Costas nuas. Imaginei, clavículas ressaltadas, por conta dos ossos dos ombros. De repente ouvi o som que saía tranquilo das caixas escondidas. Aconteceu isso porque ela começou a dançar. O movimento da parte de cima do corpo fazia imaginar o que seria aquele corpo solto no salão sem mesas, bailando em homenagem a alguma coisa. O que? Estava sozinha na cidade mais linda. Para saber eu teria de conversar e perguntar. Minha coragem está há anos luz de uma atitude assim. Imaginei que tinha olhado pra mim, numa de suas viradas de pescoço para ver o trânsito, as pessoas, o oceano, uma ilha espetada antes da linha do horizonte. Tive certeza de que ela, além de dançar sentada, também falava com consigo – e em tom de voz bem claro. Terminei de tomar a água. Paguei a conta, saí, fui dar um mergulho de roupa e tudo. Voltei para a calçada e ela continuava lá, agora com olhar perdido no tempo – ou achado nos mistérios das ruas da capital do mundo.