por Fernando Muniz
Entra no quarto do irmão mais novo. Afasta a rede e os móveis. Estão lá, na parede, as marcas de sandália; como disseram que estariam. Sente calafrios, apesar do tempo quente.
Devia ter desconfiado; o aluguel é metade do que cobram na região. Achou um bom negócio até o rapaz da mercearia dizer que uma moça teria se matado ali, pendurada num gancho, naquele quarto.
Sai de casa, sem destino. Nunca gostou de lidar com gente morta. Assistir filmes de terror, então, nem pensar. Vaga pela cidadezinha sem prestar atenção a nada, a ponto de a vizinhança estranhar.
Retorna ao final do dia. A luz da varanda está acesa; não se recorda de tê-la deixado assim. Gira a chave e sente um peteleco no ouvido, por trás. Quase desmaia.
“Que que é isso!?”
“Calma, rapaz! Tá branco feito um defunto!” O irmão mais novo começa a rir.
“E isso lá é brincadeira que se faça?” – enche-se de raiva. “Eu, hein? Toma um trago. Te acalma”. O mais novo oferece uma garrafa de cachaça, pela metade. “Não quero”. Entra em casa e acende todas as luzes, rumo à cozinha.
O mais novo vem atrás, achando graça, meio zonzo. “Que foi? Tá com medo de quê?”
O bafo de pinga o incomoda. “Vem cá, não tem nada esquisito no teu quarto?” Acende mais uma luz. “Não, tipo o quê?” – outro trago. “Ah, sei lá, algum barulho diferente”. Chegam à cozinha.
“Não, nunca ouvi. Só rangido de casa velha. Por quê?” O mais novo procura um copo, apesar de a garrafa estar quase vazia. “Descobri por que o aluguel é tão barato” – o mais velho não encontra o que comer na geladeira.
“Ela também te contou?” – toma outro trago.
“Ela quem?!” – voltam os calafrios.
“A mocinha, ué!”
Bate um torpor. O mais novo, ali, de cara cheia, só pode estar de gozação. Reage. “Larga mão de palhaçada! Que mocinha?”- a voz sai estridente, como se alguém espremesse a sua garganta.
“Palhaçada o quê, rapaz!? Toda noite dou com ela estirada na minha rede, azul feito chama de fogão. Espanto ela de lá; atrapalha o meu sono” – fala com calma, de um jeito natural, como se expulsasse um vira-lata.
O mais velho começa a tremer. “E pra onde ela vai?!”
“Pro teu quarto, uai!”